Eu to ficando louca! disse ela para os pais. A mãe e o irmão
caçula não viraram o rosto e trancaram a respiração. Lá vinha a filha
problemática lhes tirar a atenção da novela.
O pai, no mesmo aposento, estava fixado na tela do computador e
não se virou. Chegaram a se mimetizar com a mobília antes da moça repetir: Eu
to ficando louca! Me ajudem?!
A esperança arrancada dos pulmões turvou sua visão. Talvez
devesse saltar do sexto andar e acabar logo com isso. Mas algo a impediu.
Eram as costas dos seus pais com seus monólogos.
Cala a boca, sai daqui! Chorona, sai daqui! Malcriada, sai
daqui! Vai para o castigo! Fiquei grávida de você sem querer! Quer enlouquecer
a sua mãe? Deixa o seu irmãozinho em paz!
Soterrada pelos cuidados materiais excessivos, não ousava
acreditar que precisava mais do que as costas.
Um dia, depois de buscas em diversas terapias, descobre que tem
que achar o seu terapeuta e não uma linha de cuidados especificas. Não era
Constelação Familiar, Bioenergética, Reiki, Astrologia, Psicanálise ou Análise transacional
e Frequência de Brilho. Nem era yoga ou budismo. Era o terapeuta. Só podia chegar
nele se continuasse procurando.
Um dia, um deles disse nos primeiros minutos de entrevista, que
se tornaram anos de desabrochamento:
- Você é escrava da sua família.
Era o miniconto da sua vida.
Ela não era escrava porque cuidava dos pais. Era desprezada para
nunca sair do ninho, para nunca saber do seu brilho. E, assim, suprir o vazio
dos seus velhos com a seiva de sua mocidade.
Não é assim que nascem as sombras, da luz bloqueada de um ser
inteiro?
O microconto teve efeito porque o terapeuta sabia como
tirá-la do soterramento. Não eram palavras memorizadas de um manual. Com o tempo, aprendeu com ele a cavar fundo para
resgatar os seus eus.
O Sol nasce sem rancor da noite que o escondeu.
#Psicanálise #Minicontos #Desespero
#SíndromeDePânico
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