Seminário de Constelação no Rio de janeiro - 23 de junho de 2018 - saiba mais
A avó da avó da avó... o caminho do feminino
O
feminino e seu mistério não é atributo apenas da mulher (de corpo ou alma), embora seja por
meio dela que vivenciamos pessoalmente sua manifestação. Este princípio entre nós humanos tem
enfrentado obstáculos ao longo dos séculos nas esferas sociais, culturais e políticas. E mesmo que consigamos mudar estes desafios, ainda assim
ser mulher é um destino especial. Talvez algumas das situações abaixo estejam no inconsciente familiar da nossa família atuando em nossas escolhas profissionais ou de ser mãe, esferas que se contrapõe e têm marcado a trajetória do feminino em nossa cultura.
Por quê?
No século
XVIII na Inglaterra, por exemplo, quando o pai de uma família morria a herança
ia para os filhos homens e se não houvesse um herdeiro, ia para o sobrinho mais
próximo. Esta temática foi amplamente retratada na obra da escritora Jane
Austin: a esposa recebia uma pequeníssima quantia e as filhas ficavam fora da
herança, como aparece no romance “Razão e Sensibilidade”, ou os bens iam para um
primo, como em “Orgulho e Preconceito”. Para os bens ficarem na família de origem,
muitos destes herdeiros longínquos casavam com uma das filhas do pai morto, sem
que isso significasse a felicidade deles. A preocupação de muitas mães e pais deste
período era ter suas filhas casadas para que sua sobrevivência fosse garantida.
Esta situação se repete em vários países
e culturas que excluem a mulher dos meios de produção remunerados, mesmo que seja o trabalho não remunerado delas um recurso fundamental da riqueza gerada na engrenagem capitalista.
Ainda hoje aqui
no Brasil existem divisões de bens exatamente assim, com as mulheres sem receber a
sua parte na herança. Por exemplo, o pai e ou a mãe deixam os bens só para os homens. Ou um irmão se acha com mais direitos do que as irmãs e as rouba no inventário. Pode também ser o marido de uma herdeira que se acha com mais competência para gerar a empresa da família da esposa. Todas estas situações podem ser o reflexo daquelas regras civis dos ancestrais atuando nestes sistemas familiares. Ou porque ser mulher é considerado sem valor.
A isto damos o nome de machismo, quando a mulher é
considerada e tratada como inferior e,
portanto, tem seus direitos civis e existenciais reduzidos, ou até nenhum. Falar em machismo não é atacar o homem, mas pensar os "ismos" que fundam a nossa época.
A “Política
do Filho único” na China, tinha como objetivo fazer um controle de natalidade e
tirar o país da pobreza. Uma família só podia ter uma criança. Se engravidasse do
segundo filho, a mulher era forçada pelo estado a abortar ou a família era
severamente multada, além de que, se estivesse grávida de uma filha mulher
podia abortá-la para tentar um filho homem. Aliás, filhas que nasceriam no ano
do signo de Cavalo de Fogo eram abortadas porque diziam que se tornariam
mulheres muito rebeldes. Em uma constelação com uma descendente chinesa, esta situação minava a sua vontade de se casar. O caminho de amor para os homens havia se fechado.
Já aqui no
Brasil é proibido abortar, mas se é estupro pode. A mesma vida que protegem em
um caso não é protegida em outro. Então o problema da proibição do aborto aqui
no Brasil é, na verdade, se a mulher abriu as pernas por vontade própria ou
não, como disse Jout Jout em uma entrevista.
E este controle do corpo feminino chega a tal ponto, que filmam uma menina sendo estuprada por 30 rapazes, colocam na internet e ainda questionam se ela era uma boa moça ou fez por merecer o que aconteceu. O ato violento dos rapazes desaparece diante da “reputação” e comportamento da moça, embora
seja a nossa reputação de desvalorizar as mulheres que fica em relevo. Não acho que nenhum ser humano, homem ou mulher, goste de ser criado para machucar outro ser humano. O maior medo que temos, segundo o Hellinger, é machucar outra pessoa. Então imagina o que desrespeitar o feminino tem feito em todos nós?
Muitas de
nós já apanhamos dos nossos companheiros ou fomos ameaçadas nas ruas ou em
conversas de grupos de whatsapp por sermos mulheres. E, na maioria das vezes, se
alguém nos defendeu foi outra mulher. Raramente
um homem que testemunhou uma agressão se levanta a nosso favor como nós mesmas
nos erguemos para nos defender. A tal de sororidade que nos une como mulheres
existe sim, embora digam que não somos amigas. A não ser quando alguns pais e maridos querem nos proteger dizendo que parecemos putas se vestimos algumas roupas. Novamente o controle não é sobre eles, mas sobre nós.
Se uma
mulher atua como os grandes empresários, muitas vezes é
considerada fria, calculista e desumana. E se não tem o tal de instinto
materno, parece que é uma anomalia, embora não exista o termo instinto paterno
para controlar o comportamento masculino.
Sim, o
feminismo foi o melhor movimento criado para nos legitimarmos em nossa
inteireza, para temos os direitos civis iguais a qualquer pessoa neste planeta,
garantindo as nossas diferenças e para criar o espaço subjetivo para as
potencialidades femininas e suas especificidades. Qualquer preconceito contra o
feminismo é não entender e não agradecer a luta de muitas mulheres e homens para
estarmos aqui com mais legitimidade e protagonismo.
Mas há ainda outras questões que tornam o
nosso destino especial:
Somos, antes de qualquer outra coisa.
O feminino é o expoente do aqui e agora, do ser, da liberdade, do "eu Sou". O "eu Sou" está além do "eu faço" e do "eu fiz". Ainda assim, estas esferas do ego - eu faço e eu fiz - se manifestam na mulher de diversas formas: somos o veículo de vida e o santo Graal - vaso de recepção. Somos bruxas e curandeiras, empresárias e donas de casa. Somos filhas, irmãs e amigas e somos mães e avós. Nos tornamos mulher nestes papeis, mas principalmente porque o feminino nos toma a seu serviço.
Toda a vez que nos entregamos ao prazer, por exemplo, Gaia e o Céu "pensam" que podem tomar a gente para servir à vida. Sim, quando uma
mulher transa (desde a primeira vez) ela pode engravidar. Esta é uma dádiva feminina, tratada muitas vezes como um problema. E quando um homem coloca a sua semente na mulher, que é um atributo único do masculino, também pode engravidar. Só que ele não é o vaso da recepção onde a vida vai se nutrir da energia vital dos rins.
Nós somos o cálice, a abóboda receptiva. Com ela recebemos instruções divinas, de vida e dos instintos. Com o nosso corpo guardamos as marcas de todas as nossas ancestrais e também as dádivas masculinas e de outras almas. Já imaginou ser o tear de outro ser que vai nascer?
É sagrado, é extraordinário, é profano e mundano. Na mulher estas esferas se mostram em toda a sua plenitude porque não há diferença. Sim, da mesma maneira que a tessitura de nossos filhos em nosso ventre é um milagre, pegamos com mais facilidade doenças sexualmente transmissíveis. (E muitos homens se recusam a usar a camisinha). E como a educação sexual ainda é um tabu, a mulher também pode
não ter seus desejos sexuais atendidos e nem saber como é o seu corpo ou do que
gosta.
Se uma mulher
engravida, embora seja a vida que está mais atuante, ela corre o risco sim de morrer
no parto ou ter alguma doença mental por algum tempo. Se ela não pode e não
quer ter o filho, tem gente e leis que dizem o que ela tem que ser e fazer. E
quando ela tem um filho, é do seu corpo que a criança precisa durante os
primeiros anos. A natureza pega uma mulher a seu serviço quando engravida. Gaia se apresenta com força no corpo feminino, mas a Terra tem sido torturada para revelar os seus segredos desde a revolução
científica do século XVIII.
Como? Uma excelente funcionária pode ser despedida
ao retornar para o trabalho porque não está atendendo às demandas da empresa, o
que, na maioria das vezes é uma mentira. Ela tem algo para dar ao trabalho que
o empregador não sabe mais olhar.
Quando uma
mulher menstrua acontece uma mágica em seu psiquismo. Seu contato com o
invisível aumenta e ela capta mais vibrações do que o normal. Ao invés de sermos
educadas a usar e capitalizar esta potência em busca da visão, como alguns
povos indígenas faziam, somos tratadas nesta época como loucas e cheias de “mimimi”. É tão difícil segurar
o que nos acontece que acabamos sentindo dores físicas. Cólicas, se a gente
parar para escutar, podem ser os gritos de todas as nossas ancestrais lembrando
o caminho de volta para o feminino. E sobre isso não sabemos nada.
Diante deste
quadro todo, ainda podemos colocar o dedo na cara da nossa mãe com a lista do
que ela errou, sem levar em consideração tudo o que ela acertou e tudo o que custou para ela tecer a nossa vida. Podemos também
julgar as nossas amigas por não atender este padrões e leis machistas, ou por
não conseguir confrontá-los.
Ainda assim, nos tornamos
mulher, temos relações de amor com o mundo, com os homens, com
as mulheres e, na maioria das vezes ainda queremos trazer e cuidar de outra vida. Como é que temos força para isso?
"Temos que levar em consideração que para mulheres a
vida é mais exigente, por causa de seus destinos e de seu papel na vida - assim
como a vida por si só - são mais difíceis do que é para os homens.
Portanto, algumas filhas evitam ser uma mulher. Elas preferem entrar na esfera
de seu pai a ficar na esfera de sua mãe. Mas a única chance de uma
menina se tornar uma mulher é na esfera da sua mãe. E isso ocorre quando
ela respeita e honra sua mãe. Quando muitas gerações são inclusas em uma
constelação, uma mulher ganha força através da mulher atrás dela - de sua mãe,
de suas avós, de suas bisavós e assim por diante..." Bert Hellinger - (Presente para o dia das Mulheres da
página Constelare da psicóloga Cristhie Rodrigues)