12 de set. de 2018

75) A Mulher Ártemis - um conto

Quando Apolo Morreu 
(Quando escrevi este conto o nome era este, porque ele, Apollo - deus do Sol - é o irmão gêmeos de Ártemis - uma dimensão da Lua -  e exite uma dinâmica entre os dois deuses que a mulher Ártemis vai integrar ao longo da vida)

Tem trilha - Hard Sun - Eddie Vedder


A menina Ártemis nasceu amando os cavalos. Ela se sentia como se fosse um deles, selvagem, cheio de determinação com as crinas balançando na língua dos ventos. Ninguém podia dominá-la quando subia nas grades do berço para alcançar os unicórnios. Seu pai deu para ela uma colher de mingau torta com a qual jogavam golfe. A bola era o rolo de tricô de sua bisavó guarani. A crina brilhante e grisalha da anciã tinha sido como a de sua bisneta. As duas se entendiam só de olhar.

Sua mamãe tentava ensina-la a cuspir o caroço de azeitona delicadamente no garfo cobrindo com as mãos, mas ela mirava a testa do seu irmão gêmeo e acertava o ensopado. Se o pai não gargalhasse e a mãe não prendesse o riso, a educação teria sido um sucesso.

Seu corpo belo e ágil não buscava os olhares dos garotos, mas uma montanha para escalar, um jogo para vencer, uma arte para expurgar os seus demônios. Sua fúria ainda teria que ser conquistada e transformada em empatia, mas só quando enfrentasse o maior dos seus desafios, respeitar a receptividade e vulnerabilidade, atributos que ela rejeitava em sua mãe.

Casar? Não! Isso ela nunca pensou! Seria uma mulher livre como nenhuma cultura jamais aceitou. Não importava que a sua maior chaga fosse a rejeição de todos pelo seu comportamento livre, ela seria fiel aos seus ideais até se as chamas de uma fogueira iluminassem a Lua escura! E foi assim até conhecer Órion, o seu grande amor. E foi assim até o Céu desabar sobre a sua obstinação.

Apolo, seu irmão gêmeo, era lindo e, como a irmã, cheio de talentos. Bastava ver seus cabelos de raios de Sol e a perfeição do seu corpo para se enamorar dele. Até quando engatinhava arrumando os brinquedos para as estrelas seguirem o caminho, o mundo se alegrava. Na fase adulta, se dedicou às cidades e à civilização como a sua irmã se dedicava ao mundo selvagem. Sem ele não haveria a sociedade e sem os dois não haveria o equilíbrio entre a natureza e a cultura humana. Eles eram uma dupla incrível e imbatível!

Irmãos, amigos e parceiros até Ártemis se apaixonar.

- Você tinha prometido ser virgem para sempre! Se mantendo fiel aos teus ideais sem deixar nenhum homem te atrapalhar! E agora o teu coração dispara na presença de Órion!

O rosto iluminado de sua irmã dizia “eu não sabia o que era o amor”.

- Sim, eu o amo! Quem disse, meu irmão, que vou largar os meus ideais por causa de um homem?! Eu posso ter os dois, não é?! Mesmo que o mundo ainda não aceite isso, eu posso ter os dois. Eu vim para ter carreira e casamento, ideal e amor. Eu não vim para casar ou ter uma carreira, amar ou ter um ideal. Não vim fazer uma escolha! O meu destino é a multiplicação!

O coração de Apolo partiu e o ciúme o desfigurou. Enquanto caminhavam calados para ver o pôr do Sol numa tarde de ondas quietas, Apolo a desafiou.

- Duvido você acertar aquela folha flutuando no mar!

Competitiva e alegre de estarem novamente se dando bem, Ártemis mirou sua flecha e atingiu em cheio o alvo! Não fosse o sangue que espirrou ela gritaria de alegria.

- Ártemis, minha irmã! Sua impaciência e competitividade não te deixaram ver. E ainda pensa que podes viver um amor...

Oceano trouxe o corpo de Órion até os pés da sua amada. A dor foi tão grande que Zeus, seu pai, aceitou fazer de Órion uma constelação perto de escorpião, para ela nunca mais esquecer a raiva da traição do seu irmão. Desde então, os marujos sabem que não se navega em dia de Sol Vermelho.

Ártemis passou a odiar e desconfiar dos homens e das cidades. E estas urbes que Apolo cuidava, começaram a dizimar a vida nas florestas.

Até quando vai ser “nós dois” assim?

Ainda hoje existem moças que tentam reconciliar os gêmeos dentro de si. Então nem percebem que têm tanta raiva das mentiras e trapaças masculinas, e tanto desprezo pela receptividade e vulnerabilidade de suas mães, que mantam cada Órion que aparece em sua vida com ciúme, inseguranças e impaciência. Exatamente o que condenou em seu irmão.

Ainda hoje alguns rapazes pegam as suas mochilas e vão para fora da civilização tentando reconciliar estes dois irmãos. Negam, como Ártemis, toda e qualquer relação com as cidades, e se envenenam até a morte no meio da natureza selvagem. Mas esta ainda não é a melhor forma de compensação. Como entendeu Alexander Supertramp, "A felicidade só é real quando compartilhada”.

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