29 de set. de 2017

62) Vocação e Constelação Familiar



Muita gente se pergunta “qual é a minha missão? ” “O que eu vim fazer neste mundo? ” “Qual ofício poderá expressar melhor os meus talentos?

Mas missão, talento, ofício e vocação são a mesma coisa? E como se revelam na Constelação Familiar?

Etimologicamente, talento significa inclinação, se vier da palavra latina “talentum”, e quantia de dinheiro se vier do grego “Talenton” [i] . Na Parábola de Jesus sobre talentos, contada por Mateus 25:14 – 30,  a mensagem é a de que devemos servir com os dons confiados a nós de forma aplicada e diligente ou haverá “choro e ranger dos dentes”. Neste sentido, talento passou a significar dom especial e cada um de nós recebeu ao menos uma graça divina que precisa ser usada pelo bem comum[ii].  

Já a palavra vocação, apesar de ser usada como sinônimo de aptidão, se refere ao termo Latim “vocatio” que significa um chamamento. E tem relação com o termo Latim “vox” que significa voz, som, grito e fala.[iii]

O professor alemão Gerhard Walper [iv] da Hellinger Schule, com ampla experiência em Constelação Familiar e Constelação, Sucesso, Empresas e Vocação, pontua que a palavra alemã para vocação é berufung. Este termo tem a ver com um chamado específico que vem de Deus. Então a origem da voz interior é clara nesta palavra, não é uma voz qualquer.


Esperanza Spalding


E a palavra missão? Qual a sua origem? Nas igrejas primitivas, quando se acabava uma cerimônia religiosa, falava-se “ite, missa est” que significava que a congregação estava dispensada. Com o tempo toda a cerimônia passou a ser referida com a expressão missa, mas ainda assim, vem do verbo latino “mittere” que significa enviar, mandar e dispensar. E o ato de enviar vem da palavra latina “missio”. Por isso, os projéteis se chamam míssil e para onde encaminhamos nossos esforços se chama missão.[v] Se o talento é recebido, a vocação chama e a missão envia.

E, finalmente, a palavra ofício vem do Latim “officium” e significa serviço, dever, atividade e é formada pelo prefixo “ops” (poder, meios para) e “facere” que significa fazer e realizar.[vi]

Aqui no Brasil todos estes termos têm relação com a palavra trabalho, que vem do Latim  “tripaluim”, ou um equipamento de tortura. que na França virou “travailler” que significa sentir dor e sofrer, até chegar ao sentido de trabalhar duro e “apenas” trabalho.

Durante o fantástico seminário ministrado pelo professor Gerhard Walpe em setembro de 2017 em São Paulo vimos que estas esferas de manifestação - aquilo que recebemos como dom (talentos), o que grita em nosso coração (vocação), o nosso serviço no mundo (ofício) e como fazemos (trabalho) -, apesar destes termos não terem sido especificados no curso como fiz acima,  estão diretamente ligadas à emaranhamentos familiares.

Por exemplo, alguém que queira muito salvar a mãe do destino dela, o que sabemos ser impossível, pode sentir vontade de ser terapeuta. Se uma família teve uma doença incurável, um dos filhos ou netos pode querer ser médico para curar o que não teve solução. Um advogado está em busca da falta de justiça sofrida e um professor está garantindo os acertos e formas de pensamentos que não foram legitimados.

Naquele filme, "A Partida", estes destinos que desembocam em uma vocação diferente do que imaginávamos é retratado com um jovem japonês e seu anseio por ser músico. Seu destino, porém, o empurra para um ofício que acabará por levá-lo a uma solução desejada há muito tempo por sua alma.

No filme "A Chegada", tão rico de sentidos, a capacidade de ver o futuro da personagem nos faz questionar como encaramos o nosso passado com aceitação ou negação. Nele também se revela como a nossa missão está emaranhada em algo que busca soluções para a nossa alma.

Então toda vocação é um emaranhamento? De certa maneira sim. E digo mais, é uma voz lá no fundo da alma que grita para ser dado um passo à frente do emaranhamento, rumo ao nosso centro. 

O terapeuta, por exemplo, tem que parar de querer salvar ou julgar a mãe; o médico precisa parar de querer vencer a morte; o professor precisa aceitar os limites para ir além; um ator não poderá dar voz a todos os excluídos aceitando, enfim, os seus destinos; um político não pode mudar um movimento que atua por trás do curso da história, por mais que seus eleitores, infantilizados, acreditem que sim, etc. etc.

E quando não entendemos o recado da vocação, o trabalho pode virar um verdadeiro tormento. Cada vez mais opressor e impossível de se livrar até que se aprenda a impotência e a humildade diante do que ele tem a nos ensinar.

Há outras relações ocultas entre nosso serviço no mundo e os laços ocultos na família (e aprendi tudo isso com o Bert e Sophie Hellinger e o Gerhard Walpe): Um irmão mais novo liderando uma empresa, por exemplo, pode se sentir paralisado se um irmão mais velho for seu assistente. Para garantir o lugar do irmão como o primeiro da família o irmão mais novo se sabota na empresa que ele mesmo criou. Uma pessoa que nasceu com um talento enorme para as artes, pode ser vocacionada a seguir outra carreira por conta dos emaranhamentos sistêmicos, como os citados acima, e seu talento recebido deve servir à esta voz interior que a empurra para outros caminhos.

Um esforço não reconhecido dentro da empresa com merecidas promoções, pode refletir a própria arrogância em relação à mãe que não a reconhece: “Mamãe você não me deu o que eu queria! E eu não reconheço a dor e o medo que você passou em meu parto, nem te agradeço o meu corpo tecido no seu, muito menos os tempos gastos com meus cuidados! Eu só vejo o que me doeu.”

E aquele funcionário ou cliente desrespeitoso pode estar excluindo o pai do coração, se colocando ao lado da mãe nas brigas de casal que eles tiveram.

E tem também o quanto investimos em um empreendimento, seja em uma empresa ou na busca de uma ajuda. Lembram da parábola contata por Mateus? Se queremos dar menos do que é pedido, podemos estar falando que não receberemos tudo, porque tampouco daremos tudo de nós. Pode ser que estamos fechados, principalmente para a vida que veio dos pais, o maior dom recebido numa existência. Será que isso não gera dor e ranger dos dentes?

Em um grupo de Constelação Familiar estas descobertas se multiplicam exponencialmente atingindo a todos. Quando o tema é vocação, empresas e trabalho chegamos ao serviço dedicado à vida que é a fonte de toda a Constelação Familiar. Por isso, não importa se você é constelado diretamente ou não, em algum momento uma dinâmica vai te atingir em cheio, mesmo que você esteja sentado, ansioso para ser constelado "sem ser escolhido".

Todos nós já escolhemos, quando decidimos ir a um encontro destes, encontrar  uma saída para a fonte de vida continuar a fluir. Assim uma porta aberta em um de nós é um portal aberto para e por toda a gente.


1 de set. de 2017

61) Carta ao Pai - Bert Hellinger



Carta de Bert Hellinger ao pai
(Traduzi do Livro - mas já tem publicado em português)

“Dedico este livro a meu pai Albert Hellinger (1895-1967), com uma carta:

Querido papai, por muito tempo eu não soube o que me faltava mais intimamente, muito intimamente. Por muito tempo você, meu querido papai, foi expulso de meu coração.

Por muito tempo você foi um companheiro de caminho para quem eu não olhava porque fixava meu olhar em algo maior, como eu imaginava.

De repente, você voltou a mim, como de muito longe, porque minha mulher Sophie o invocou. Ela viu você, e você me falou por meio dela.

Quando penso o quanto me coloquei muitas vezes maior do que você, quanto medo também eu tinha de você porque muitas vezes você me batia e me causava dores, e quão longe eu o expulsei de meu coração e tive de expulsá-lo, porque minha mãe se colocava entre nós; somente agora percebo como fiquei vazio e solitário, e como eu estava separado da vida plena.

Porém, agora você voltou, de muito longe, para minha vida, de modo amoroso e com distanciamento, sem interferir em minha vida. Agora começo a entender que foi por você que, dia a dia, nossa sobrevivência era assegurada sem que percebêssemos em nosso íntimo quanto amor você derramava sobre nós sempre igual, sempre visando o nosso bem-estar e, não obstante, excluído de nossos corações.
Será que em algum momento lhe dissemos como você foi um pai fantástico para nós?

Você teve um oceano de solidão a sua volta e, ainda assim, permaneceu solicíto e amoroso a serviço de nossa vida e de nosso futuro. Nós tomávamos isso como algo natural, sem jamais honrar o que isso exigia de você.

Agora me vêm lágrimas, querido papai. Eu me inclino diante de sua grandeza e tomo você em meu coração. Tanto tempo você esteve excluído do meu coração. Tão vazio ele estava sem você.

Também agora você permanece amigavelmente a uma certa distância de mim, sem esperar de mim algo que tire algo de sua grandeza e dignidade. Você permanece o grande como meu pai, e tomo você e tudo que recebi de você, como seu filho querido.

Querido papai,
Seu Toni (assim eu era chamado em casa).”

Bert Hellinger, em “As Igrejas e o Seu Deus”.


Bert, com Sophie, em seu aniversário de 90 anos na Rússia
18/12/2015


60) Onde mora o Trickster ou por que nos sabotamos?





O Trickster é um arquétipo, muitas vezes encarnado em nossos atos desastrados, que prega peças na gente, ou desobedece às regras, para nos despertar do que não estamos vendo. Como é que a gente é vítima deste malandro que muitas vezes nos faz sabotar as melhores intenções?

Jung observou que cada um de nós se adapta melhor à realidade de uma certa maneira: pela intuição X sensação, ou pelo pensamento X sentimento. Esta adaptação é executada de forma bem sofisticada e elaborada, mas sua contrapartida fica no polo oposto mergulhada no inconsciente se portando de forma barulhenta, muitas vezes. É lá que o Trickster mora, para pregar peças na gente.

Por exemplo, se sua intuição é muito desenvolvida, então sua observação dos detalhes e sensações corporais não ficam muito conscientes para você, porque está no polo oposto da intuição, alojada em teu inconsciente. Você se adapta muito bem no mundo seguindo o teu faro, mas esquece o casaquinho se está frio.

Sabendo disso, você registra todos os passos que dá se precisa resolver um problema com uma empresa, por exemplo, anotando protocolo, datas e horas e escrevendo o que falaram, porque sua memória e lembrança dos detalhes te dá rasteiras. Ou você simplesmente ignora esta “fraqueza” e não anota detalhe nenhum ficando sem ter como te proteger futuramente. Pode também se cansar rapidamente dos assuntos burocráticos, até se tornando extremamente irritadiço ou com um sentimento de impotência diante da vida. Este é o trickster te dizendo alguma coisa, te pregando peças para você olhar para aquilo que não quer ver, ao mesmo tempo em que te faz perder o prazo daquela bolsa de doutorado. E aí, alguns intuitivos dirão: "não era para ser".


Se, ao contrário, você se adapta melhor com a sensação, então é capaz de entrar numa festa e se lembrar da roupa de cada pessoa (o Intuitivo vai sentir o clima). Ou vai conseguir embarcar em muitas aventuras sem nem pestanejar, se divertindo muito. Se alguém te falar em energia ou até te perguntar o teu signo é capaz de ter um chilique, desconsiderando totalmente estas idiotices, porque são coisas de gente fora da realidade, lunáticas mesmo. Isto porque, aquilo que é traduzido para o mundo por vias irracionais pelo faro intuitivo é o polo oposto da sensação. Que por sinal é irracional também, porque é instintiva e não passa pelo crivo do pensamento nem do sentimento, funções racionais da consciência, segundo Jung.

Aí a pessoa adaptada melhor na sensação, que nega sua polaridade intuitiva, pode sofrer de pesadelos sistemáticos e ter até uma crise nervosa. Pode também, se arrogar e fazer interpretações esdruxulas do que acontece em seu inconsciente, tomando decisões erradas por conta disso. São os mais propensos a ter ataques de fobia, porque seu inconsciente o invade com visões que ele nega. O trickster dele está lá, no medo das coisas que ele não pode tocar com seus órgãos sensoriais. Os que já aprenderam algo sobre seu polo oposto dizem: "eu não acredito nas bruxas, mas que elas existem, existem!" Uma pessoa polarizada demais na função sensação pode casar mil vezes antes de parar e escutar a intuição um pouco.


O desenho que ilustra esta publicação, “está errado”, se entendemos que muitas mulheres se adaptam ao mundo pela função pensamento e muitos homens se adaptam à realidade pela função sentimento, funções racionais que classificam e julgam, respectivamente, criando padrões. Embora culturalmente esperem da gente o que a ilustração propõe: que o homem aja de forma dita racional e a mulher de forma emocional. O sentimento, para Jung é bem racional, porque ele gera valores, então, razão não tem só a ver com classificações, mas com o que fazemos com nossos afetos.

Mas ele, o desenho, “está certo” ao nos mostrar como ficamos de costas para aquilo que não nos é familiar. E como ficamos vulneráveis e encolhidos em nossos mundos, com medo do outro lado negado. Sabotar vem de sabot, tamanco em francês, e tem a ver com isso: colocar o tamanco nas engrenagens para impedir o trabalho de seguir em frente.  Se uma maneira de estar no mundo não é mais adequada o Trickster, que mora na função inferior da nossa consciência, joga o tamanco no meio de nossa caminhada para chamar a nossa atenção.

É de lá que ele grita: É por aqui! É por aqui que você vai ver o iceberg de cabeça para baixo e inteiro, embora não possa ficar muito tempo sem se afogar.

583) Quem Nunca Matou um Dragão Por Dia?

  Quem Nunca Matou um Dragão por Dia? Mônica Clemente (Manika)   @manika_constelandocomafonte Por que tanta devoção a um Santo rebaixado...