Ilustração de RamsesMorales Izquierdo
Stockholm Syndrome
O "Círculo fascista" é um jogo transacional
que uma pessoa, família ou grupo faz para que uma outra pessoa (ou grupo) se
sinta subjugada pelo jogador.
Na maioria das vezes, a vítima deste jogo se sente – é levada
a se sentir como - a louca ou o problema da família, ou da empresa, ou do
grupo. E assim, o verdadeiro problema fica encoberto.
Geralmente o jogador que "arma" o círculo
fascista consegue angariar a família toda, ou muitas pessoas para pensar como
ele.
Como?
Desestabilizando quem ele quer atacar até a loucura e levando os outros a
fazerem o mesmo jogo com a vítima, sem se tocarem que são cúmplices.
Por exemplo, o jogador pode assediar moralmente ou
sexualmente um empregado, no mundo do trabalho, mas ninguém vê os abusos. Um
dia, implica com a vítima na frente de todas as pessoas até ela estourar. E então
ele diz:
-
Viram? É meio desequilibrada! Parece louca!
Ou nem
precisa falar nada, porque fica parecendo que a pessoa é louca, raivosa ou
abusiva mesmo.
Quando a pessoa atacada por baixo dos panos for buscar
ajuda, dizendo o que está acontecendo por trás da cena, a maioria não vai
acreditar nela e dirá: "Mas será mesmo? Ela é meio desequilibrada,
né? raivosa. temperamento difícil. Não sei se posso confiar no que ela está
relatando."
Se for em casa, com sua família, é mais difícil ainda.
Um pai ou mãe abusadores podem atacar a criança o tempo todo, sem o outro
genitor e irmãos verem. Ou pode jogar um dos pais contra o filho e o filho
contra o pai, criando a maior briga entre eles. Um dia fará algo na frente de
todos os familiares, levando a criança à loucura, que gritará e perderá o
juízo. Então o jogador do círculo fascista dirá:
- Não aguento mais esta filha malcriada!
Este jogador, nem se toca que está falando dele mesmo, porque quem cria
um malcriado são os adultos que os xingam. E complementam:
- Parece louca! Vai para o castigo!
Nas lutas políticas desleais acontece o mesmo. Um grupo cria inimigos
chamando aquele que luta contra o racismo, por exemplo, de terrorista, como
aconteceu com o Mandela, preso por quase 30 anos por lutar pelos direitos do
povo do seu país.
Aqui no Brasil tiram até a dignidade humana das pessoas, quando dizem que
aquela pessoa morta na guerra contra as drogas era traficante e, por isso, não
importa se foi assassinada.
Isto aconteceu com o pedreiro Amarildo, que não era traficante, mas
tentaram fazer a população acreditar neste "inimigo criado"
encobrindo uma política de extermínio de pobres e negros num país de maioria
pobre e negra.
O Movimento sem Terra também é noticiado como o agressor. Nas imagens
televisionadas eles estão com suas foices bem visíveis e a polícia com seus
fuzis e arsenal de guerra, ou os capangas pagos para exterminá-los, bem
invisíveis. Não aparecem nas imagens. E não estou falando mal da polícia, que é
usada como braço de uma classe que a treina para servir a seus interesses e não
ao da população como um todo.
Tentar sair do círculo fascista não é fácil e não se
consegue, até entender como ele acontece. Isto porque toda família vai
acreditar no jogador "fascista", uma vez que ninguém vê o assédio que
o pai ou mãe faz com a criança. E na vida coletiva, também, não
conseguimos ver o jogo, porque o noticiário que quer proteger uma dada classe,
vai contar uma versão dos fatos onde a vítima vira o agressor. E o agressor a
vítima. Assim, a mídia pode envenenar todo o seu público contra quem deveria
ser protegido.
No trabalho, a mesma coisa: a mulher assediada sexualmente, por exemplo,
é a que deu algum mole ou é a desequilibrada, porque o assédio nunca é na
frente das pessoas. E o machismo corrobora para que coloquemos a mulher como a
culpada. O assédio moral também, mas ele, às vezes, aparece na frente do grupo
que pode se unir e indicar a agressão com mais facilidade.
A vítima, geralmente, chega a um ponto onde pode reagir com
violência ou se desequilibrar emocionalmente, uma vez que a meta deste jogo
transacional é justamente esse: fazer a vítima perder o seu centro e virar
"agressora" (por que não vemos que foi atacada e está se defendendo).
E, assim,
reafirma o controle do algoz sobre ela, sem que ninguém - nem ela mesma -
perceba a manobra. A manobra é mostrar que ela é a desequilibrada e, portanto,
não pode ser levada a sério em suas justas reivindicações e, finalmente, torna
o algoz invisível diante da "loucura ou justa raiva evidenciada".
Outro
dia, em 2015, eu estava em um restaurante e testemunhei o jogo em uma mesa ao
lado da minha, misturado com a guerra política que estávamos atravessando. A filha
disse:
-
Ela perdeu o olho, coitada!
-
Também, quem mandou ir à passeata?!
Disse a
mãe.
- Teu filho foi à passeata dos verde e amarelos, e ninguém
foi atacado.
Disse a filha.
- Mas era uma passeata organizada, gente de bem que não
estraga o patrimônio público.
Refutou
a mãe.
- Ah, jura, mãe? Eu fui nas outras passeatas e não
estragamos o patrimônio público. Mas fomos atacados assim mesmo. Os fogos, gás
e água eram da polícia. E um olho vale mais do que qualquer patrimônio público,
não acha?
- Viu só! Vocês são uns vândalos!
Estragam as coisas. Fazem greve em dia de trabalho, um horror!
A
conversa foi para temáticas políticas, usada para falar o que não podiam das
suas relações mãe e filha. Até que a mãe falou para sua filha:
- Você é vagabunda também!
Esta era a armadilha para a filha ficar
histérica e raivosa, mas ela disse:
- Mãe, eu te amo! E
não, você não vai conseguir me fazer me sentir uma merda.
-
Louca, louca, louca!
Dizia a
mãe. O Pai chega do banheiro:
- O que
você fez, menina?! Tá deixando sua mãe enfurecida novamente?! Nunca vai
aprender?
-
Eu não fiz nada, pai.
A
Mãe fala com carinho:
-
Deixa, amor. É coisa de mãe e filha.
Mas
o pai já estava indisposto com a filha e nunca iria saber o que aconteceu nos
bastidores, afinal o rosto, de repente, cheio de compreensão magnânima da mãe
escondia os dentes que tentavam rasgar a sanidade da filha, agora confusa.
A filha também ficou mal por conta da
atitude do pai que só escutou a versão da mãe (louca, louca, louca) e, por
isso, se afastou dele se aproximando da mãe que a atacou até antes do pai
chegar. Seu rosto ficou pálido e cheio de culpa. Acho que ela pensava:
"Será que eu sou louca mesmo?"
Imagino
que o que a filha queria dizer era:
-
Mãe, eu te amo! E não, você não vai conseguir me fazer me sentir uma merda para
que eu acredite que não valho nada e você continue a viver simbioticamente
através de mim.
E em relação ao pai...a filha terá que
fazer análise para entender que ele e ela não são inimigos e que o pai não é um
tosco. Eles são manobrados pelo jogo que a mãe faz (sem ter consciência), para
que eles se indisponham e a filha nunca se emancipe dela, a mãe
jogadora. Muitos filhos neste jogo não conseguem se sustentar, porque o
mandato por trás é: "você não serve para nada, só para cuidar de
mim."
A mãe (e
podia ser o pai, ou o marido, ou a esposa, ou o chefe etc.) joga o pai e a
filha um contra o outro, sem que os três tenham consciência disso. E não
adianta exigir que o pai - um adulto - saiba como defender a filha, ele não vê
o que acontece por trás das costas dele. Nem a filha tem consciência do porquê
o pai a ataca, ela foi criada para pensar que é a louca, desequilibrada e
difícil da família e "provou" isto várias vezes se alterando na
frente de todos, graças ao jogo por baixo dos panos.
E o pai, possivelmente, foi atacado por esta mãe,
fazendo a filha não acreditar nele.
Vemos a mesma situação quando dois grupos se digladiam
por conta de um círculo fascista que os lançou uns contra os outros para que
não vejam o real problema. Neste caso, a armação é mais consciente, mas ainda
tem um componente perverso atuando no nível do inconsciente coletivo.
O jogador do círculo fascista pode ser um pai também,
mas o exemplo que testemunhei foi este. E pode ser um chefe, uma liderança, uma
esposa, um marido, ou um grupo atacando outro grupo em situação de
vulnerabilidade. Tem que haver uma relação de poder para o jogo acontecer.
A questão é: como sair dele? Como
conseguiu a moça até que o pai fosse envolvido.
Não se deixar manipular até a loucura e,
portanto, não cair na raiva ou no ódio, ou naquela pergunta: “por que isto está
acontecendo comigo? O que eu fiz para merecer tamanho tormento?” Ou
afirmar para si mesmo que "é uma pessoa difícil mesmo."
Um animal ferido não fica com raiva e nem fica se
perguntando o porquê do ataque e quem o atacou. Assim, ele pode usar toda a sua
energia para se salvar e buscar a ajuda que precisa.
E, claro, existe mais orientações de como sair desta
emboscada, mas o melhor caminho é buscar ajuda com um bom psicanalista, se for
um jogo que acontece na família.
Este texto era para falar um pouco sobre o círculo
fascista e como ele atua, afinal é um jogo e não um destino de vida, então
qualquer pessoa pode sair dele, parando de jogá-lo quando o entende, sem
destruir as relações familiares.