15 de abr. de 2013

21) Mamãe, você me aceita como eu sou?






Do livro: Mamãe Você me ama?
autora Barbara M. Joose e  ilustradora Barbara Lavallee


O tema sobre o qual faço esta reflexão é difícil e polêmico. Coisas de se abrir ao coração para não deixa-lo quebrar...


Quando eu entrava, e entro, em contato, numa constelação familiar, com as reações dos abortos provocados, uma frase emperrava em minha garganta. Não consegui traduzi-la até poucas semanas atrás: “Mamãe, você me aceita (como eu sou)?”

Como na constelação fica evidente que tudo o que foi criado não perde sua existência, aquilo que chamamos de óvulo fecundado (na barriga ou congelado), feto, embrião de 1 semana etc., existe como entidade total para alma familiar e não precisa da legitimidade social para ter este direito, mas para ter seu lugar. Esta frase, então, “mamãe, você me aceita (como eu sou)?” estava na garganta da mãe que aborta, da criança abortada, dos irmãos dela e do pai da criança abortada. Todos perguntam a sua própria mãe se ela concorda com sua existência.

A pergunta neles parece que fica assim:

A mãe que aborta à sua mãe: “Mamãe, você me aceita?... Como filha, mulher, esposa, filha do meu pai, mãe dos meus filhos? Dona dos meus atos, Etc...?”

Pai da criança abortada à sua mãe: “Mamãe, você me aceita? ... Como filho, homem, pai, filho do meu pai? Etc...?”

Irmãos da(s) criança(s) abortada(s): “Mamãe, você me aceita?. .. Como filho, mesmo tendo tirado outro? O meu amor que tenho por você, independente do que faz? Como irmão do meu irmão morto? Como teu filho que tem o irmão morto no coração? Etc...”

Criança abortada: “Mamãe, você me aceita?... Mesmo que tenha me tirado, com todo seu sentimento de culpa, eu mereço seu olhar, seu amor, minha inclusão? Etc...”

Esta percepção me levou àquele bolo na garganta, muitas vezes o globo histérico - somatização da chamada neurose histérica. Será que nele estão tingidas as cores emocionais e as implicações desta pergunta à mãe? O que este bolo indigesto tem a ver com o movimento interrompido em direção à mãe? Qual a solução? (Um grande soluço).

Fui fazer um pequeníssimo (e ruim) resumo da trajetória da histeria, seus sintomas e hipóteses de sua etiologia por meio de um livro ótimo* - coloco ao final deste texto para quem quiser ler. Minha intenção era entender um pouco desta tão famosa “doença” da alma com suas perturbações emocionais e paixões reprimidas e relacioná-la com minhas percepções atávicas (isso existe?) dos efeitos do aborto provocado em um sistema familiar.

Nesta sinopse, eu destaquei a hýstera (útero, matriz), onde todos são gerados; o desejo sexual e de procriação sufocados que se transformam em sintomas físicos “pedindo ajuda” (histeria); a investigação dos sintomas de angústia expandida aos homens, tanto como nas mulheres, causada pela repressão de seus desejos e paixões - anseios da alma; a relação corpo-mente recolocada em questão por meio desta “doença”, levando ao conceito de inconsciente pessoal (Freud), extrapolado ao inconsciente coletivo (Jung). Tudo isso desafiando qualquer negação da pluridimensionalidade humana. Ou seja, se a existência é multidimensional, não há só uma forma de abordá-la e uma só linguagem para entendê-la ou se fazer entender.

Quero dizer, todos os anseios reprimidos – sem voz - pediriam legitimidade em sintomas na garganta? No sistema reprodutor? Na tireoide? Nos pulmões? No corpo, como na histeria? Buscariam campos de representação nas relações sexuais, nos encontros de amor? Nas relações pais e filhos? Nosso corpo e relações seriam o campo privilegiado para partes excluídas nossas (e de nossa família) se manifestarem por meio “doenças e curas”?  É que a vida e o corpo multidimensional, suas dores e amores, são muito criativos ao se fazer notar quando não sabemos escutá-los.

E esta voz abafada, representações, sintomas, pertencem a quem? Quem é a “dona” do útero ferido? Do desejo reprimido? Da angústia? Dos anseios da alma? Sou eu que tenho o sintoma, ou também pertence a algum ancestral ou à alma familiar?

O que se tem visto nos movimentos de alma durante a Constelação é que quando há um aborto provocado, mesmo que ele seja um segredo, o irmão nascido, o pai, a mãe e a criança abortada se sentem em conexão intensa, como se existisse de fato uma criança ali, porque existe. Não estou reafirmando a visão espírita, estou apenas sublinhando o que Hellinger já disse: o que foi criado não desaparece jamais.

 “Por que ele/a não pôde vir? Por que foi abortado?” não é, então, o essencial. O que a garganta fechada de todos os envolvidos quer dizer, sem dizer, é “você me aceita? Eu posso existir?”

Este bolo gutural ganha dimensão pujante nas irmãs vivas, que, muitas vezes praticam o aborto, seguindo a sina familiar. Por conta disso, pode haver um bloqueio na relação com a mãe, e isso a impede de ir até ela criando um movimento interrompido em direção à mãe.

No caso, o/a filho/a não consegue ir para a mãe por não se sentir aceito, mesmo que seja. “Se meu irmão não foi aceito, por que eu seria?” Aqui ele/a pode estar julgando a mãe, ou se identificado com o irmão morto, ou os dois. Esta dificuldade impossibilita que se tome a matriz. Esta situação gera no filho excluído pelo aborto mais um sofrimento: não bastou não vir, seu destino torna outros menos felizes. Por outro lado, a mãe também pode ser dura consigo mesma, e como forma de compensar sua responsabilidade e implicações do seu ato dificulta o caminho do seu filho até ela.

Bem, não só o aborto pode endurecer um coração.

Voltando ao assunto, não sei se serei compreendida, mas em última análise e sem julgamentos, nenhum motivo justifica um aborto provocado. Mas os motivos existem, desde emaranhamentos familiares complicadíssimos até ilusões sobre o que se quer da vida. Então, será mesmo que o que levou a mulher a esta ação não a ajudaria a encarar seu filho morto nos olhos, coloca-lo no coração e retomar sua vida para algo bom, sem desejar a antiga inocência, mas com a carga do que fez ou teve que fazer?

 Aquilo que te (me) fez abortar, busque!

 Ao menos assim, pode-se olhar para o/a filho/a morto neste ato dolorosíssimo e cheio de implicações, e saber que ele (o ato) não foi em vão para a mãe, nem para o filho. Dizer que é só um embrião, não ajuda em nada. Discutir quando a vida começa, também não dá conta das implicações do aborto na alma, além de desconsiderar o mundo dos mortos – local onde a existência mantém tudo o que já foi criado, mesmo um “embrião”. E também desconsidera a mulher, o útero e o feminino e o que esta dimensão de cálice pode revelar além do racionalismo científico e dos dogmas religiosos. Como sou uma mulher e tenho útero, sei que teço meus filhos, obras, visões, deste mundo invisível e insondável. Há práticas xamânicas que se sustentam neste órgão e suas visões, por isso, a repressão de sua sabedoria e não só de seus desejos, pode sim virar histeria. Histeria coletiva! Não foi por isso que se queimaram as bruxas? Elas sabiam demais!

Que tudo isso não seja incentivo para se abortar, nem um peso maior do que já é para quando “não há escolha”. Que seja um estímulo para buscar o saber também pelo irracional e não só pela razão, para criar um mundo capaz de acolher o mistério, assim como aplaude a luz.

Tanto para mãe, quanto para os envolvidos na família onde há aborto provocado, resta, quando chegar a hora – geralmente quando já não se aguenta mais tanta angústia, falta de ar (histeria?) – NÃO interromper ainda mais o movimento em direção à matriz. E ainda se tem que se ultrapassar o medo e a raiva gerados por todos os bloqueios no caminho.

Sabe aquela raiva que se tem do/a parceiro/a sem nem saber o por quê? Pode ser a raiva de não ter conseguido chegar à mãe projetada nele/a. Ressalto isso porque, segundo Hellinger, “o movimento interrompido em direção a nossa mãe, bem como suas consequências, reflete-se igualmente em nossas relações de casal”, em nosso caminho profissional e em tantas outras empreitadas. No caso dos relacionamentos amorosos, por exemplo, “em vez de nos aproximar de nosso parceiro ou parceira, nos retiramos e esperamos que o outro venha ao nosso encontro (...)” Ele nos instrui, então, a prestar “atenção para identificar até que ponto o movimento interrompido em direção a nossa mãe se mostra de forma parecida, ou inclusive idêntica, a nossa relação de casal”  (Hellinger, 2012: 12).

Mesmo que a mãe não possa amar como se gostaria por conta da culpa, ou problemas ancestrais que a levaram a ser difícil, o/a filho/a deve agora ousar esta aproximação, ao menos interiormente. Mesmo que a mãe já esteja morta, ou se tenha que se manter a uma distância saudável dela, tomar a mãe no coração transformaria o bolo na garganta chamado “mamãe, vc me aceita como eu sou?” em sua solução, “SIM, EU CONCORDO COM VOCÊ EXATAMENTE COMO É, MAMÃE! E agora eu a tomo e vou até você, interiormente, ultrapassando toda raiva e medo por tanta rejeição!”

Isso transbordaria para as relações e o mundo. Já não se quereria mais ser o que não se é para agradar ao pai, mãe, professores, parceiro/a e outros. Já não se reprimiria mais os anseios da alma, seus desejos e as suas paixões para o mundo nos aceitar. Há algo em aceitar a mãe (e o pai) tal como é, que faz crescer para além dos limites outrora repressores.

Portanto, como diz Hellinger, as 3 palavras essênciais são: GRATIDÃO (pela vida recebida), SIM (eu concordo com você exatamente como é) e POR FAVOR (palavra mágica que se abre ao coração).



Do livro: Mamãe Você me ama?
autora Barbara M. Joose e  ilustradora Barbara Lavallee


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Bibliografia:

Hellinger, Bert. Meditações de Bert Hellinger. São Paulo, 2008.
____________. A Fonte não precisa perguntar pelo caminho. Palato de Minas: Atman, 2007.

*Ramos, Gustavo Adolfo. Histeria e psicanálise depois de Freud. Campinas: Editora da UNICAMP, 2008.

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       Histeria, um pequeno resumo.        


 
Na Grécia antiga, a histeria que vem de hýstera e se traduz como matriz ou útero, pode ser entendida, segundo Hipócrates, como sintomas da repressão de um ser vivo dentro do corpo da mulher – o útero – que tem desejos próprios de sexo e procriação. A falta de relações sexuais e de gerar filhos pode levar ao sufocamento e à sensação de angústia, uma vez que o útero se desloca se seus desejos são violentamente frustrados, pressionando outros órgãos que afetam a respiração. Na Idade Média, a histérica se transformou “em um ser possuído, objeto, então, de competência jurídica e religiosa. Basicamente, tratava-se do comportamento das bruxas e da bruxaria e de seu julgamento” (Ramos, 2008:23). Na Renascença, que rompeu com a Idade Média buscando inspiração na Grécia antiga, a retomada da histeria é pelo viés da sua renaturalização, como sintomas de repressões que o vaso feminino possa sofrer, ou da cura médica (Ramos, 2008: 22-25).

No século XIX, o médico francês Pierre Briquet publica um livro intitulado “Tratado clínico terapêutico da histeria” e tem como pressuposto a histeria como sintomas da perturbação emocional da disfunção do cérebro. Relaciona estes sintomas também aos homens (Ramos, 2008: 24).

O útero foi para as cucuias e o cérebro começou a receber todos os créditos e descréditos da existência emocional humana. Mas, os homens ganham algum status emocional, e isto é sempre bom!

O neurologista Jean-Martin Charcot, seguidor de Briquet se atém ao aparecimento desta doença por conta das vivências de fortes emoções e da predisposição. Por meio da hipnose produziu um tipo de “histeria de laboratório” e, por conta dela surgiam doenças físicas como dores musculares, paralisias, as contrações, as anestesias, transtornos alimentares, redução do campo visual etc.. Com isso ele reafirma a ideia de Pinel sobre doenças mentais que estariam ligadas à “alma”, à dimensão psicológica ou das paixões. Em suas pesquisas enfatiza, também, a histeria masculina. Parecido com a neurastenia (astenia – fraqueza, neuro - cérebro) estudada pelo neurologista George Beard, com seus sintomas de angústia, depressão, fraqueza muscular (Ramos, 2008: 27-28).

Tanto Charcot como Briquet não viam relação da histeria com o desejo erótico. Já para outros estudiosos da época, os sintomas histéricos tinham relação com violação sexual, a exposição às cenas impressionantes desta temática e à insatisfação sexual como os antigos gregos pressupunham (Ramos, 2008: 29).

Diz-se que, graças à histeria e aos estudos sobre a obra de Charcot, Freud inaugura a psicanálise. Ele chama de conversão somática a transformação de elementos psicológicos em sintomas físicos por processo misteriosos. Este mistério retoma a questão corpo-mente (Ramos, 2008: 31) e um novo objeto de estudos ganha destaque – o inconsciente pessoal.

Com Jung, o inconsciente pessoal se abre ao coletivo, às caudas ancestrais e à riqueza cultural. Com o inconsciente coletivo aparecendo em sonhos, nos mitos, nos eventos sincrônicos, é revelado o campo onde se aloja os tesouros e dragões da nossa história milenar.

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