O script de vida do filme “Uma linda Mulher”
Mônica Clemente (Manika)
Este texto não é um manifesto feminista, embora eu precise do pensamento feminista para poder elaborar as ideias dele. Este texto é uma leitura de um possível Script de Vida contido no filme analisado. Por isso eu gosto dele, não artisticamente falando, mas como Conto de Fada que expõe compreensões do inconsciente coletivo, que é o objeto do meu trabalho com as Constelações Mitológicas.
Julia Roberts, na época namoradinha do cinema americano, interpreta o papel de uma prostituta no filme “Pretty Woman” (Uma Linda Mulher), que passará uma semana - muito bem paga - com um empresário frio e calculista, que é o personagem do Richard Gere.
Ele lhe dá dinheiro para comprar roupas recatadas e acompanhá-lo em suas manobras comerciais inescrupulosas. Ela é maltratada nas lojas até ele aparecer.
Em outra cena, ela está bela, recatada e diva, e diz para o milionário: Você pode escolher o que eu vou comer. Ele escolhe escargot.
O enredo continua. Eles brigam. Eles transam. Ele se torna um empresário bonzinho em uma semana. E ela fica bela, recatada e do lar.
Finalmente, o quarentão chega numa limusine branca, empunhando um buquê de flores comprado na rua das prostitutas, para pedir a moça de 19 anos em casamento.
Um filme cheio de preconceitos que as crianças aprendem desde cedo há séculos. Vou falar de alguns deles:
1. O casamento salva uma mulher de si mesma.
O casamento, o amor e o romantismo fazem bem e transformam qualquer pessoa. Neste filme, os dois mudam, então. Mas é ela quem trocará as roupas, suas atitudes e seu status, o que sugere que sem a presença de um homem, uma mulher pode se perder e a sociedade a maltratará.
2. O príncipe sempre chega no cavalo branco. Ou seja, ele tem o poder e a pureza para mudar o destino de uma mulher, tornando-a digna e, portanto, humana.
Num sonho, esta imagem indica o amadurecimento da mulher, sendo este homem a representação da sua sabedoria interior (Animus Positivo). Num filme, se o enredo não é machista, poderia representar o mesmo.
Ele também muda, de caráter, com a presença dela, sem que precise mudar seus modos, sua forma de vestir, nem seu status. Então, aqui, a Anima Positiva dele pode ser vista, sem os preconceitos que vemos sobre as transformações na Linda Mulher.
A cena final de “Uma Linda Mulher”, transportada para a vida real, ou seja, sem a romantização proposta pela obra cinematográfica, pode ser a de um parceiro assumindo o lugar do pai da esposa, que para ela pode ter sido ausente ou disse mil vezes, de várias formas, que nenhuma mulher vale nada sem um homem ao lado.
Futuramente, eles vão inverter os papeis (a mulher se tornará mãe dele) ou ela o abandonará, se puder, quando perceber que não precisa mais seguir este script de vida no qual “toda mulher é prostituta sem um homem aparando-a”.
E que não é suficiente ter “o sustento do marido e a dignidade de sua presença masculina” sem uma conexão verdadeira de sentimentos.
Veja, durante todo o filme somos expostos às transformações dela por fora e, rapidamente, somos expostas à transformação dele por dentro. Existe, portanto, uma normatização do comportamento e aparência da mulher, e um romantismo sobre o homem.
É por isso que falar deste filme gera tantas contradições. Porque ele é romântico sim, se vemos como o personagem do Richard Gere muda positivamente. E é machista quando vemos no que a Linda Mulher teve que se virar para atender às expectativas da sociedade em relação ao que que é uma boa moça.
3. No filme vemos dois arquétipos femininos sendo manipulados pelo poder de um homem.
A santa e a prostituta são arquétipos que tornam uma mulher boa para casar, desde que a Santa sobressaia graças à varinha mágica masculina. A mesma varinha que pode transformar uma mulher numa prostituta.
Já escutou a frase “essa mulher é boa para casar e esta não é” ? Baseado em quem os homens falam isso?
A santa se conecta com a figura da boa mãe, uma imagem carinhosa, amorosa, acolhedora e clemente. Já o arquétipo da prostituta tem a ver com um certo tipo de submissão rebelde: embora haja poder na mulher, ele é drenado para o parceiro por um preço.
O Arquétipo da Prostituta (agora não estou falando da profissão de prostituta, tão digna quanto qualquer outra profissão. Não confundir) pode se referir aos serviços carnais e espirituais de uma mulher.
Este arquétipo na mulher conecta o homem à sua alma, ao seu destino. No filme, este arquétipo realmente transformou o homem, mas precisou desaparecer por meio de mudanças do comportamento da moça.
E, as facetas femininas da sábia, empresária, estrategista e guerreira (que a Linda Mulher é), não são muito cotadas para o casamento. A não ser que sejam subjugadas pela faceta da Santa, que camuflou a Submissa Rebelde graças à presença masculina na forma de “cuidados” que pedem para ela mudar por fora.
Outra mensagem que foi romantizada no filme, mas atua como estigma para mulheres e homens na realidade, é a de que
4. As mulheres se interessam pelo dinheiro e os homens dão dinheiro e não o coração, embora o coração dele, ao final, tenha se transformado.
Aí, muitas mulheres se casam nestes 4 termos elencados desde a postagem anterior, e descobrem que a relação de trocas não afetivas e estes papeis que esperam delas, não as fizeram felizes. “Se casamento é isso, eu não vou mais casar”, algumas pensarão.
Elas mesmas, ou os seus filhos e filhas vendo seus sofrimentos, tentarão proteger suas filhas deste destino, dizendo: “Nunca dependa de ninguém!” Um script de vida que diz, com outras palavras - “nunca case com ninguém”
Ou “se case por dinheiro e não por amor”.
Afinal, ser mais feliz no casamento, como na sociedade e como adulto depende de aprender a depender de outros adultos, (ser cuidada e cuidar) até para simples trocas de palavra de carinho, desde que não nos levem à submissão, produto das relações de poder e não de amor.
Mônica Clemente (Manika)
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Pretty Woman
Direção: Garry Marshall
Roteiro: J. F Lawton
Elenco: Julia Roberts, Richard Gere, Ralph Bellamy
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