Vou falar de uma temática que amo, a
interface entre a mitologia e a Constelação Familiar, que chamo de “Histórias
que Atuam”.
Especificamente o mito de Orestes e a Consciência Pessoal,
Coletiva e Espiritual, segundo Bert Hellinger.
Quais as mensagens e possíveis soluções que este mito pode nos
oferecer em relação à culpa e reparação, alienação parental, medo, crimes
hediondos, justa justiça e loucura?
Se quiser ver o vídeo que complemente este post, clique aqui.
Este mito ganhou relevância na trilogia Oréstia, de Ésquilo, uma
tragédia Grega do século VI a.C. contando a história de Orestes, filho de Agamenon, Rei de Micenas, casado com
Clitemnestra, cujos filhos eram Efigênia, Electra e Orestes.
Agamemnon, frustrado com suas derrotas, entrega sua filha Efigênia
em sacrifício para vencer a Guerra de Tróia.
Uma possível dinâmica familiar associada à esta
passagem é: “você (morra) por mim”.
Clitemnestra, que já o odiava, começa um caso amoroso com Egisto,
primo e inimigo mortal de Agamemnon, que já havia planejado matar Orestes
quando ele era criança. O menino foi salvo por Electra que o enviou
clandestinamente para ser criado como filho da irmã de Agamemnon.
Quando o rei volta da guerra é assassinado pela esposa e o amante.
O deus Apolo, intercede, e envia Orestes, agora já um jovem adulto, para vingar
a morte do pai. Electra, com ódio da mãe, também atiça o ódio e a vingança de
Orestes.
Como disse Hellinger (2007:62-65), os deuses nos mitos atuam como a Consciência Coletiva Inconsciente de uma família. Esta esfera zela pelo pertencimento de todos, mesmo que isso exija a repetição de destinos difíceis. Ao contrário da Consciência Pessoal, que zela pelo pertencimento do indivíduo ao seu grupo, a consciência coletiva familiar busca a reparação, a qualquer custo, da inclusão do que foi excluído. No caso, Agamemnon mata a filha e Orestes matará a sua mãe, até que esta família olhe com respeito para as mulheres feridas e banidas (A entrada das Fúrias e de Atená).
Eles fazem uma armadilha para atrair Egisto e assassiná-lo.
Quando há muita violência doméstica, brigas conjugais ou alienação
parental, os filhos são envolvidos na guerra e é muito difícil para eles se
manterem neutros diante do que estão vendo e escutando. Geralmente, eles acabam
tomando partido correndo o risco de se tornarem “capangas” de um de seus pais,
matando a conexão filial com o genitor que atacam.
Ao Ouvir os gritos do amante, Clitemnestra encontra seu filho com
uma espada ensanguentada em sua mão. Suas súplicas quase o persuadem a não
cometer o crime, mas o próprio Apolo havia mandado assassiná-la. E ele não
consegue evitar o golpe mortal.
A última frase da rainha é: “Vê bem.
Cuidado com as cadelas furiosas de uma mãe” Ela se referia às
Erínias (Fúrias), que vingam o sangue parental derramado.
Assim, Oreste enlouquece, sendo envolvido pelas fúrias e nem Apolo
consegue salvá-lo, o que faz com que o deu convoque um
tribunal com Atená de juíza e as Fúrias de promotoras. São elas:
· Tisifone, o castigo, persegue os pecados da cólera, ira, soberba
com um facho de luz que não deixa o pecador dormir.
· Megera, o rancor, grita no ouvido dos traidores, enfieis e
mentirosos até que fujam, sem nunca poderem ficar com suas famílias, que vão criando
e abandonando.
· Alecto, a implacável, enlouquece os assassinos e/ou seus
descendentes.
Enquanto Orestes é acusado ferozmente pelas Fúrias, Atená leva em consideração
os antecedentes que levaram Orestes a cometer aquele crime, dando uma visão
mais ampla do que aconteceu e de onde ele estava emaranhado.
Assim, Ésquilo com sua trilogia,
inaugura o pensamento jurídico que busca a justa justiça e não o justiçamento
que é o olho por olho e dente por dente (Pessoa e Costa, 2013). Como em Alto
da Compadecida, de Ariano Suassuna, no qual a Virgem Maria intercede pelas
almas julgadas pelo demônio na presença de Jesus.
E fala também, como faziam as tragédias, das
conexões ocultas que levaram Orestes até a sua tragédia.
E que na Constelação Familiar dizemos que são emaranhamentos
que precisamos encarar para dar outro rumo à vida. Mas não só olhar, e sim
deixar que algo atue, até que una o que foi separado, que é a Consciência
Espiritual atuando, segundo Hellinger.
Então, as Fúrias se apaziguam, não porque Orestes é inocente,
mas porque ele compreendeu o encadeamento do sofrimento familiar, podendo agora
fazer diferente. E, porque, algo se reconciliou em outro nível, entre
Atená e as Fúrias.
Mesmo sendo um julgamento ultrapatriarcal, o mito nunca se deixa
manipular: é uma deusa e não um deus que traz a solução para Orestes,
absolvendo-o. É ela quem consegue acalmar as Fúrias dentro de Orestes, que não
deixam os assassinos em paz. E isto já
nos dá uma pista:
Se ele, Orestes, se reconciliar com sua mãe, sem exigir dela mais
nada do que exigiu, será que conseguirá se libertar das fúrias?
Estes sentimentos tratados no mito, ódio, vingança, fúria, culpa,
rancor fazem parte das nossas relações. Por exemplo, quando uma criança é
criada por meio do medo, ela vai sentir vontade de matar o genitor que a
amedronta. Não porque quer matar de verdade, mas porque há um mecanismo de
lutar ou fugir toda vez que estamos em perigo. Uma criança não pode lutar nem
fugir, então seu medo vira ódio.
Logo em seguida, seu ódio vira culpa por ter sentido algo terrível
em relação àqueles que ela ama mais do que a si mesmo. Isto a faz sentir rancor
dos pais, pela dor sentida, ao mesmo tempo em que quer se castigar pelos
sentimentos terríveis.
Se esta dinâmica virar uma rotina, ela terá uma relação difícil
com o genitor que causou medo, que é Fonte de sua vida e se castigará
inconscientemente, não se permitindo nem se sentindo merecedora de muitas
coisas.
Da mesma maneira, quando estamos no meio da briga dos nossos pais,
e tomamos partido, estamos que nem Electra e Orestes, sendo arrastados por
“Apolo” que é o consciente coletivo familiar atuando sobre nossas ações.
Orestes não queria matar a mãe dele, mas estava emaranhado numa sucessão de
homens machucando mulheres. E só uma deusa pode ajudá-lo.
Uma mulher. Não é que uma mulher vai educar um homem para ele ser
um bom homem. Isto é função do pai, que não estava presente no mito. É que o
homem que machuca mulheres tem que olhar para elas e não exigir delas mais
nada. Nem absolvição. Assim ele se livra
das Fúrias, mas não da justa justiça.
Se estas brigas chegam aos tribunais, estamos vivendo a
radicalidade destas brigas familiares. No tribunal, segundo Athena, buscamos a
justa justiça e não a perpetuação do problema.
Numa Constelação Familiar olhamos
de forma mais ampla, como fez Athena, mas sem tomar partido. Não para nos
tornarmos inocentes novamente, mas para sairmos da dominação de “Apolo”, que na verdade é a consciência coletiva inconsciente
do nosso sistema familiar nos fazendo repetir destinos trágicos.
O mito de Orestes tem esta sacada incrível, as Fúrias só deixaram
Orestes em paz, quando Atená entrou e mostrou os antecedentes para as Fúrias,
não para justificar os erros dele, mas porque uniam nele perpetradores e
vítimas e seus atos hediondos a uma nova compreensão, dando-lhe uma nova perspectiva:
Tudo o que aconteceu não podia ser diferente do que foi, já que
estava emaranhado numa sucessão de dores familiares que não encontravam solução.
Até porque a culpa tem esta característica: ela faz com que a
gente não olhe o que fizemos ou para quem a gente feriu. Ela serve ao culpado,
nunca à vítima.
Mas se olhamos com amor para os antecedentes (quem ferimos e quem
nos feriu e as dinâmicas envolvidas nisso), a culpa tem sua reparação, sem
exigir mais nada das vítimas, nem o perdão.
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Ésquilo. Oréstia. IV a.C.
Costa, A. & Pessoa, P. Oréstia. Adaptação Dramática. São Paulo: Giostri Editora LTDA, 2013.
Bert Hellinger. A Fonte não precisa perguntar pelo caminho. Minas Gerais: Atman, 2007.
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