22 de jan. de 2021

246) Mitologia e Constelação Familiar em Orestes

 

Oreste et les Furies - Jacques Francois Ferdinand Lairess

            Vou falar de uma temática que amo, a interface entre a mitologia e a Constelação Familiar, que chamo de “Histórias que Atuam”.

Especificamente o mito de Orestes e a Consciência Pessoal, Coletiva e Espiritual, segundo Bert Hellinger.

Quais as mensagens e possíveis soluções que este mito pode nos oferecer em relação à culpa e reparação, alienação parental, medo, crimes hediondos, justa justiça e loucura?

Se quiser ver o vídeo que complemente este post, clique aqui.

Este mito ganhou relevância na trilogia Oréstia, de Ésquilo, uma tragédia Grega do século VI a.C. contando a história de Orestes, filho de  Agamenon, Rei de Micenas, casado com Clitemnestra, cujos filhos eram Efigênia, Electra e Orestes.

Agamemnon, frustrado com suas derrotas, entrega sua filha Efigênia em sacrifício para vencer a Guerra de Tróia.  

Uma possível dinâmica familiar associada à esta passagem é: “você (morra) por mim”.

Clitemnestra, que já o odiava, começa um caso amoroso com Egisto, primo e inimigo mortal de Agamemnon, que já havia planejado matar Orestes quando ele era criança. O menino foi salvo por Electra que o enviou clandestinamente para ser criado como filho da irmã de Agamemnon. 

Quando o rei volta da guerra é assassinado pela esposa e o amante. O deus Apolo, intercede, e envia Orestes, agora já um jovem adulto, para vingar a morte do pai. Electra, com ódio da mãe, também atiça o ódio e a vingança de Orestes.

Como disse Hellinger (2007:62-65), os deuses nos mitos atuam como a Consciência Coletiva Inconsciente de uma família. Esta esfera zela pelo pertencimento de todos, mesmo que isso exija a repetição de destinos difíceis. Ao contrário da Consciência Pessoal, que zela pelo pertencimento do indivíduo ao seu grupo, a consciência coletiva familiar busca a reparação, a qualquer custo, da inclusão do que foi excluído. No caso,  Agamemnon mata a filha e Orestes matará a sua mãe, até que esta família olhe com respeito para as mulheres feridas e banidas (A entrada das Fúrias e de Atená).

 

Eles fazem uma armadilha para atrair Egisto e assassiná-lo.

Quando há muita violência doméstica, brigas conjugais ou alienação parental, os filhos são envolvidos na guerra e é muito difícil para eles se manterem neutros diante do que estão vendo e escutando. Geralmente, eles acabam tomando partido correndo o risco de se tornarem “capangas” de um de seus pais, matando a conexão filial com o genitor que atacam.

Ao Ouvir os gritos do amante, Clitemnestra encontra seu filho com uma espada ensanguentada em sua mão. Suas súplicas quase o persuadem a não cometer o crime, mas o próprio Apolo havia mandado assassiná-la. E ele não consegue evitar o golpe mortal.

A última frase da rainha é: “Vê bem. Cuidado com as cadelas furiosas de uma mãe” Ela se referia às Erínias (Fúrias), que vingam o sangue parental derramado.

Assim, Oreste enlouquece, sendo envolvido pelas fúrias e nem Apolo consegue salvá-lo, o que faz com que o deu convoque um tribunal com Atená de juíza e as Fúrias de promotoras. São elas:

 

·       Tisifone, o castigo, persegue os pecados da cólera, ira, soberba com um facho de luz que não deixa o pecador dormir.

 

·       Megera, o rancor, grita no ouvido dos traidores, enfieis e mentirosos até que fujam, sem nunca poderem ficar com suas famílias, que vão criando e abandonando.

 

·       Alecto, a implacável, enlouquece os assassinos e/ou seus descendentes.

 

 

Enquanto Orestes é acusado ferozmente pelas Fúrias, Atená leva em consideração os antecedentes que levaram Orestes a cometer aquele crime, dando uma visão mais ampla do que aconteceu e de onde ele estava emaranhado.

 Assim, Ésquilo com sua trilogia, inaugura o pensamento jurídico que busca a justa justiça e não o justiçamento que é o olho por olho e dente por dente (Pessoa e Costa, 2013). Como em Alto da Compadecida, de Ariano Suassuna, no qual a Virgem Maria intercede pelas almas julgadas pelo demônio na presença de Jesus.

E fala também, como faziam as tragédias, das conexões ocultas que levaram Orestes até a sua tragédia.

E que na Constelação Familiar dizemos que são emaranhamentos que precisamos encarar para dar outro rumo à vida. Mas não só olhar, e sim deixar que algo atue, até que una o que foi separado, que é a Consciência Espiritual atuando, segundo Hellinger.

 

Então, as Fúrias se apaziguam, não porque Orestes é inocente, mas porque ele compreendeu o encadeamento do sofrimento familiar, podendo agora fazer diferente. E, porque, algo se reconciliou em outro nível, entre Atená e as Fúrias.

 

Mesmo sendo um julgamento ultrapatriarcal, o mito nunca se deixa manipular: é uma deusa e não um deus que traz a solução para Orestes, absolvendo-o. É ela quem consegue acalmar as Fúrias dentro de Orestes, que não deixam os assassinos em paz.  E isto já nos dá uma pista:

Se ele, Orestes, se reconciliar com sua mãe, sem exigir dela mais nada do que exigiu, será que conseguirá se libertar das fúrias?

Estes sentimentos tratados no mito, ódio, vingança, fúria, culpa, rancor fazem parte das nossas relações. Por exemplo, quando uma criança é criada por meio do medo, ela vai sentir vontade de matar o genitor que a amedronta. Não porque quer matar de verdade, mas porque há um mecanismo de lutar ou fugir toda vez que estamos em perigo. Uma criança não pode lutar nem fugir, então seu medo vira ódio. 

Logo em seguida, seu ódio vira culpa por ter sentido algo terrível em relação àqueles que ela ama mais do que a si mesmo. Isto a faz sentir rancor dos pais, pela dor sentida, ao mesmo tempo em que quer se castigar pelos sentimentos terríveis.

Se esta dinâmica virar uma rotina, ela terá uma relação difícil com o genitor que causou medo, que é Fonte de sua vida e se castigará inconscientemente, não se permitindo nem se sentindo merecedora de muitas coisas.

Da mesma maneira, quando estamos no meio da briga dos nossos pais, e tomamos partido, estamos que nem Electra e Orestes, sendo arrastados por “Apolo” que é o consciente coletivo familiar atuando sobre nossas ações. Orestes não queria matar a mãe dele, mas estava emaranhado numa sucessão de homens machucando mulheres. E só uma deusa pode ajudá-lo.

Uma mulher. Não é que uma mulher vai educar um homem para ele ser um bom homem. Isto é função do pai, que não estava presente no mito. É que o homem que machuca mulheres tem que olhar para elas e não exigir delas mais nada. Nem absolvição.  Assim ele se livra das Fúrias, mas não da justa justiça.

Se estas brigas chegam aos tribunais, estamos vivendo a radicalidade destas brigas familiares. No tribunal, segundo Athena, buscamos a justa justiça e não a perpetuação do problema.

 Numa Constelação Familiar olhamos de forma mais ampla, como fez Athena, mas sem tomar partido. Não para nos tornarmos inocentes novamente, mas para sairmos da dominação de “Apolo”,  que na verdade é a consciência coletiva inconsciente do nosso sistema familiar nos fazendo repetir destinos trágicos.

O mito de Orestes tem esta sacada incrível, as Fúrias só deixaram Orestes em paz, quando Atená entrou e mostrou os antecedentes para as Fúrias, não para justificar os erros dele, mas porque uniam nele perpetradores e vítimas e seus atos hediondos a uma nova compreensão, dando-lhe uma nova perspectiva:

Tudo o que aconteceu não podia ser diferente do que foi, já que estava emaranhado numa sucessão de dores familiares que não encontravam solução.

Até porque a culpa tem esta característica: ela faz com que a gente não olhe o que fizemos ou para quem a gente feriu. Ela serve ao culpado, nunca à vítima.

Mas se olhamos com amor para os antecedentes (quem ferimos e quem nos feriu e as dinâmicas envolvidas nisso), a culpa tem sua reparação, sem exigir mais nada das vítimas, nem o perdão.  


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Ésquilo. Oréstia.  IV a.C.

Costa, A. & Pessoa, P. Oréstia. Adaptação Dramática. São Paulo: Giostri Editora LTDA, 2013.

Bert Hellinger. A Fonte não precisa perguntar pelo caminho. Minas Gerais: Atman, 2007.

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