28 de nov. de 2020

214) As Cartas, o Mar e o Almirante Negro

 


As cartas e o mar têm algum parentesco. de ir e vir. De vencer a distância e as eras, como uma máquina do tempo.

Talvez, no Dia da Consciência Negra seja um bom momento para viajar com eles. Na data escolhida em homenagem ao Zumbi dos Palmares, assassinado em 20/11/1695, por nos defender contra a escravidão.

Duzentos e quinze anos depois, e um dia, em 21/11/1910, o marujo Marcelino Rodrigues Menezes recebe 250 chibatadas de uma só vez. Ele não estava em um navio negreiro, estava servindo o Brasil como marujo.

Este episódio sangrento, precedido por maltrato secular, racismo estrutural e precárias condições na Marinha, resultou na Revolta da Chibata, liderada por João Cândido, o  Almirante Negro.

Ao assumir o comando da frota de guerra da Marinha e da rebelião, exige a abolição dos castigos corporais com esta carta:

“Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podendo mais suportar a escravidão na Marinha Brasileira, a falta de proteção que a Pátria nos dá; e até então não nos chegou; rompemos o negro véu, que nos cobria aos olhos do patriótico e enganado povo.

Achando-se todos os navios em nosso poder, tendo a seu bordo prisioneiros todos os Oficiais, os quais, têm sido os causadores da Marinha Brasileira não ser grandiosa, porque durante 20 anos de República ainda não foi bastante para tratar-nos como cidadãos fardados em defesa da Pátria, mandamos esta honrada mensagem para que V. Excia. faça os Marinheiros Brasileiros possuirmos os direitos sagrados que as leis da República nos facilitam, acabando com a desordem e nos dando outros gozos que venham engrandecer a Marinha Brasileira; bem assim como: retirar os oficiais incompetentes e indignos de servir a Nação Brasileira.

Reformar o Código Imoral e Vergonhoso que nos rege, a fim de que desapareça a chibata, o bolo, e outros castigos semelhantes; aumentar o soldo pelos últimos planos do ilustre Senador José Carlos de Carvalho, educar os marinheiros que não tem competência para vestir a orgulhosa farda, mandar por em vigor a tabela de serviço diário, que a acompanha.

Tem V.Excia. o prazo de 12 horas, para mandar-nos a resposta satisfatória, sob pena de ver a Pátria aniquilada.

Bordo do Encouraçado São Paulo, 22/11/1910.

Nota: Não pode ser interrompida a ida e volta do mensageiro.

Marinheiros."

Com a promessa de terem seus pedidos cumpridos, os heróis que lutavam por nós se entregaram, sendo parte deles aprisionados e mortos sufocados em cativeiro. João Cândido sobreviveu ao infortúnio, mas perdeu seus direitos.

Na década de 1950, o jornalista Edmar Morel entrevista o Almirante Negro e conta a façanha daqueles tempos. Novamente o mar e as cartas. O mar no nome do escritor, e sua escrita sobre o episódio e as injustiças sofridas.

Infelizmente Edmar também sofre perseguições depois do lançamento do seu livro.

E a pergunta que fazemos é a seguinte: o que tem mais força, perpetuar a injustiça ou compensá-la com direitos? O amor de quem serve á pátria, como aqueles marujos, ou o chicote que fere a carne do seu povo?

 

 

João Cândido - década de 1910

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