16 de mar. de 2020

120) O Amor de um Casal pode ser pessoal, mas seu encontro é Coletivo


 Na #Ophelia com a #Hamlet Street há um cruzamento.
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Na peça mais famosa de todos os tempos, Hamlet, Ofélia é uma mulher que encontra um homem corroído entre os assassinos e o fantasma do pai assassinado, o Hamlet. Hoje dariam um diagnóstico psiquiátrico e redutor para ele: #esquizofrenia. Naquela época, #Shakespeare lhe deu uma peça inteira, com céu, terra, um reino, pai, mãe, o amante da mãe - o tio ávido pelo trono -, vingança, ambição, corrupção, política e questões filosóficas que não dão conta do #sobrenatural.

Neste contexto, o #herói #trágico encontra e é atravessado por Ophelia. Ela é apresentada na peça como filha, irmã e noiva de homens e nunca vista como mulher de carne e osso, a não ser quando aparece morta. O seu amor por Hamlet e seu suicídio são os únicos trajetos mostrados na dramaturgia que a tornam única e não uma propriedade masculina, ou numa ninfa, ou anima (contrapartida feminina na psique dos homens).

Há inúmeros textos que dissertam sobre a sua representação como mulher no patriarcado e como expoente da histeria. Não vou por aí. Quero a Ofélia que não foi contada, afinal a tragédia de Shakespeare é do príncipe paralisado diante de uma verdade oculta que só ele vê. É o serviço de um “esquizofrênico” para toda família.

Ele inclusive diz para ela: “Que fazem indivíduos como eu rastejando entre o céu e a terra? Somos todos rematados canalhas, todos! Não acredite em nenhum de nós.” É que ele não se torna um vingador, como nas obras de  Sêneca, nem lutará pelo poder, como nas tramas Maquiavélicas. Ele internaliza forças irreconciliáveis dentro de si. Algoz e Vitima lutam dentro do protagonista, se tornando uma figura problemática, melancólica e tomada pelo seu contexto. São estas as dinâmicas que aparecem numa Constelação Familiar quando uma pessoa é diagnosticada com esquizofrenia.


Pois bem, ele com todo este contexto encontra Ofélia, que também tem uma trajetória subjetiva ligada a tantas outras pessoas, embora não seja contada na peça. Seja lá qual o motivo para não sabermos dela – o patriarcado até o desconhecimento do universo psíquico feminino ou da Ofélia não ser o foco da peça – supões que há nesta personagem tanta riqueza interior como em Hamlet.

Se escrevêssemos uma peça sobre a sua jornada, mostraríamos a falta da mãe, não só fisicamente, mas como importância para o desenvolvimento psíquico. Usaríamos de pano de fundo a falta da compreensão sobre mulher como personagem civilizatório e político. Também não haveria reconhecimento de sua existência feminina à parte das esperanças masculinas. E sublinharíamos seu amor menosprezado e sua lucidez amortecida. E então ela conheceria um príncipe corroído pela dinâmica algoz vítima, com raiva da mãe, que a rejeitaria.


Imediatamente escreveríamos uma cena tipo consulta com psicanalista, que diria: “Você não vai conseguir salvá-lo. Mas pode te salvar. E não, a peça Hamlet não fala nada sobre você. Só fala dele. E isto não é um insulto, a não ser pelo fato de tentarem te defender e às mulheres de algo que não trata da sua complexidade!”


Na peça sobre Ofélia poderíamos seguir, com cautela, as forças avassaladoras que levam ao suicídio, que embora uma rejeição amorosa seja um gatilho, nunca as definem. E iríamos até o ponto da rejeição de Hamlet, projetada como um destino sobre Ofélia, que responderia: “”Há mais coisas entre o céu e a Terra do que sua vã filosofia pode sonhar, Hamlet!”

E antes que o encontro deles tropeçasse nos seus abismos, como aconteceu em Hamlet, inventaríamos uma cena que mostrasse que o amor pode ser até pessoal, mas nosso encontro é sempre coletivo: o que cada um traz consigo faz parte de toda relação e, muitas vezes, é o que nos atraiu.



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