Na peça mais famosa de todos os
tempos, Hamlet, Ofélia é uma mulher que encontra um homem corroído entre os
assassinos e o fantasma do pai assassinado, o Hamlet. Hoje dariam um
diagnóstico psiquiátrico e redutor para ele: #esquizofrenia. Naquela época,
#Shakespeare lhe deu uma peça inteira, com céu, terra, um reino, pai, mãe, o
amante da mãe - o tio ávido pelo trono -, vingança, ambição, corrupção,
política e questões filosóficas que não dão conta do #sobrenatural.
Neste contexto, o #herói #trágico
encontra e é atravessado por Ophelia. Ela é apresentada na peça como filha,
irmã e noiva de homens e nunca vista como mulher de carne e osso, a não ser
quando aparece morta. O seu amor por Hamlet e seu suicídio são os únicos
trajetos mostrados na dramaturgia que a tornam única e não uma propriedade
masculina, ou numa ninfa, ou anima (contrapartida feminina na psique dos
homens).
Há inúmeros textos que dissertam
sobre a sua representação como mulher no patriarcado e como expoente da
histeria. Não vou por aí. Quero a Ofélia que não foi contada, afinal a tragédia
de Shakespeare é do príncipe paralisado diante de uma verdade oculta que só ele
vê. É o serviço de um “esquizofrênico” para toda família.
Ele inclusive diz para ela: “Que
fazem indivíduos como eu rastejando entre o céu e a terra? Somos todos
rematados canalhas, todos! Não acredite em nenhum de nós.” É que ele não se
torna um vingador, como nas obras de Sêneca, nem lutará pelo poder, como nas
tramas Maquiavélicas. Ele internaliza forças irreconciliáveis dentro de si.
Algoz e Vitima lutam dentro do protagonista, se tornando uma figura
problemática, melancólica e tomada pelo seu contexto. São estas as dinâmicas
que aparecem numa Constelação Familiar quando uma pessoa é diagnosticada com
esquizofrenia.
Pois bem, ele com todo este
contexto encontra Ofélia, que também tem uma trajetória subjetiva ligada a
tantas outras pessoas, embora não seja contada na peça. Seja lá qual o motivo
para não sabermos dela – o patriarcado até o desconhecimento do universo
psíquico feminino ou da Ofélia não ser o foco da peça – supões que há nesta
personagem tanta riqueza interior como em Hamlet.
Se escrevêssemos uma peça sobre a
sua jornada, mostraríamos a falta da mãe, não só fisicamente, mas como
importância para o desenvolvimento psíquico. Usaríamos de pano de fundo a falta
da compreensão sobre mulher como personagem civilizatório e político. Também
não haveria reconhecimento de sua existência feminina à parte das esperanças
masculinas. E sublinharíamos seu amor menosprezado e sua lucidez amortecida. E então ela
conheceria um príncipe corroído pela dinâmica algoz vítima, com raiva da mãe,
que a rejeitaria.
Imediatamente escreveríamos uma
cena tipo consulta com psicanalista, que diria: “Você não vai conseguir
salvá-lo. Mas pode te salvar. E não, a
peça Hamlet não fala nada sobre você. Só fala dele. E isto não é um insulto, a
não ser pelo fato de tentarem te defender e às mulheres de algo que não trata
da sua complexidade!”
Na peça sobre Ofélia poderíamos
seguir, com cautela, as forças avassaladoras que levam ao suicídio, que embora
uma rejeição amorosa seja um gatilho, nunca as definem. E iríamos até o ponto
da rejeição de Hamlet, projetada como um destino sobre Ofélia, que responderia:
“”Há mais coisas entre o céu e a Terra do que sua vã filosofia pode sonhar,
Hamlet!”
E antes que o encontro deles
tropeçasse nos seus abismos, como aconteceu em Hamlet, inventaríamos uma cena
que mostrasse que o amor pode ser até pessoal, mas nosso encontro é sempre
coletivo: o que cada um traz consigo faz parte de toda relação e, muitas vezes,
é o que nos atraiu.
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