16 de mai. de 2017

57) Mãe tóxica uma ova!

Agnes Moorehead na personagem Endora - Mãe da Feiticeira

Se eu fosse fazer uma nova tese, que não farei, o nome seria
MÃE TÓXICA UMA OVA!


Nela eu ia pesquisar os compêndios de psicologia, psiquiatria e publicações acadêmicas e não acadêmicas que insistem em se aproximar das relações difíceis com a mãe demonizando a mulher e interpretando suas dificuldades como mãe, alegando falta de amor pelos filhos. Como se o amor pudesse ser categorizado ou fosse mais essencial do que a vida ter vencido. Afinal se alguém reclama da mãe é porque nasceu dela com todo sangue, dor e expectativas sociais sobre ela.


Na tese eu tentaria provar meu pressuposto: de que este caminho que chamam de vazio sombrio por conta da relação com a mãe “incapaz de amar” os filhos é um terreno fértil para ser conhecido e de lá renascer mais inteira.


Ia falar, como falou Liz Greene, da mer, mar, mor, raízes indo-europeias que significam morrer, mas também mors que é sorte, e é raiz de Moira, destino, aquilo que rege o mundo da matéria e tece o caminho para nossa morte. A mãe. Se a gente nasceu, a morte veio junto como destino. Existe vazio mais tenebroso do que o rosto de nossa morte, mas a mãe é que é tóxica, sei?!


E ia falar de como a Lilith foi excluída, porque desafiou tudo o que se esperava da mulher. E de como viramos a cara para tudo o que não entendemos, culpando e chamando a mãe de sei lá o quê.


Não que algumas mães não sejam terríveis mesmo, mas se estamos vivos, que presente ela nos deu naquela zona tenebrosa do desamor?




E eu, de cabeça baixa, bem baixa em reverência, ia falar de Eresquigal. Me dá até medo escrever este nome da deusa das profundezas mais assustadoras da Pisque Humana. O Reino dela, como diz Liz Greene, possui sete portões e uma estaca para pendurar o visitante. Estas suas paisagens são subjetivas e nos levam para os humores, sentimentos, sonhos e fantasias (1985:47). E nestas grutas, onde nossa subjetividade está fazendo depósitos, estão também todas as fendas que irão nos buscar em forma de angústias, nos levando até o mais fundo, mas não até o Último.


Sim, dizem os mestres, a gente pode chegar até Deus pelo caminho da bem-aventurança ou pela ponta afiada da amargura.


Eresquigal representa um arquétipo da psique humana que pode ser  vivido com certo treinamento. O gosto acrimonioso tem o dom de curar o coração doído. O mesmo que sentiu a falta de amor ainda muito pequeno. Mas temos que reverenciar ela antes de conseguir este unguento. E aceitar, sem julgar, que às vezes é impossível ficar muito perto.


E finalmente eu escreveria algo sobre aquele filme "Águas Rasas": 

Uma surfista vai para uma praia deserta e paradisíaca, a mesma em que a mãe esteve quando estava grávida dela. De repente a heroína é atacada por um tubarão vingativo que comia uma baleia morta.


Ah o ventre paradisíaco da mulher que engravida e não sabe se será capaz de cuidar dos seus filhos, mantendo-os vivos. Que feras assombram quem tem medo de morrer no parto, portal da vida, irmã gêmea da morte? Que sonhos uma mãe tem que adiar ou até matar para poder gerar uma vida?
E que mal tem para um filho aceitar este sacrifício sem se sentir vítima disso? 

É claro que uma mãe pode usar isso como chantagem emocional e vai ser muio difícil se soltar desta armadilha, mas quando conseguir...


Voltando aos símbolos do filme, que monstros a surfista encontrou naquele Mar, Mer, Mor? A baleia, símbolo da boa mãe, morta e o tubarão, símbolo da mãe tóxica, vivo. Será que ela vai vencê-los, tal como vencerá a mãe tóxica que a assombra nos livros de psicologia e em seus devaneios mais ofensivos que negam a sua própria sombra?


Se sair viva da luta contra o tubarão, como nasceu de sua mãe aterrorizada, que filha será essa? E como ela falará de sua mãe depois disso? Será que continuará a chama-la de mãe tóxica ou a confundi-la com a Deusa do submundo que a fortaleceu para vencer a escuridão?


Como me disse Susan Andrews, num quarto, às 2 horas da manhã, depois de um dia com mortes e sofrimento: “a vida foi feita para fortalecer a gente para realizar o infinito”.


Mas eu não vou escrever esta tese. Quem sabe eu escreva um livro chamado Rochedos e a Sereia. Nele o mar não será fácil, muito menos a rabo-de-peixe.





Um comentário:

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