2 de fev. de 2013

17) De Japeri a München, Iemanjá!



Qual a relação entre a mãe, o amor de casal e a vocação?


                                         Foto de Sebastião Salgado

Central. Peguei o trem de Japeri para buscar o passaporte que me “levará” a Roma. Nova Iguaçu me recebia com muito afeto.


Na Itália, terra dos meus ancestrais, embarco em outro trem para Munique (München), mas antes de chegar lá fico três dias em Bolzano com uma irmã amiga. Faço este voo transoceânico nas asas de Zéfiro para participar do curso “Mãe” e os fundamentos da Nova Constelação Familiar no HellingerSchule.

Quantos trilhos se vencem, quantos ventos se enfrentam para tomar a mãe, a matriz, Deméter, Iemanjá em nosso coração? Quantas de suas faces desafiam o amor da Grande Mãe?

“Quanto nome tem a Rainha do Mar?” Pergunta a canção de Pedro Amorim e Paulo César Pinheiro na voz de Maria Bethânia.


Aqui, nesta terra da madeira da cor dos braseiros, Dandaluna, Janaína, Marabô tem vários nomes e nela, a convergência entre os elementos da cultura africana, ameríndia e europeia dá luz às marés brabas até a mansidão do sol vermelho.

Festejada em diferentes dias - na Bahia dia 2 de fevereiro, no Rio de Janeiro dia 31 de dezembro - seu manto azul bordado de espuma reflete diversos atributos femininos, desde a Mãe dos Orixás Africanos à Afrodite Brasileira, desde Nossa Senhora dos Navegantes às Sereias e seus sonetos (Beth Cruz, 2009: Iemanjá Lenda e Mito de Beth Cruz).


É sobre as suas faces de matriz e de guardiã dos amores, e algumas experiências em constelação sobre a mãe, o amor e a vocação que quero lhes falar.

Qual é o filho ou a filha capaz de vencer os mares profundos da mãe amorosíssima que não pode existir sem derramar suas garras sobre seus rebentos de 50 anos? E que, por sua vez, foi ela mesma tragada por dores ancestrais? Há um oceano indiferenciado envolvendo a todos. Um útero de água de coco? Porém, para alguns, o cálice beatífico pode estar assombrado por feras marítimas e, não importa a direção do seu nado, sempre acabam no fundo do mar.

Ah! O canto das nereidas...

Iemanjá, a mãe e o mar, é arquétipo da matriz de onde vem a vida e para onde ela retorna para ser renovada. Suas ondas lambem as terras nesta dança de vai e vem. Emblema do carinho e da proteção materna é também austera e possessiva quando seus filhos atingem a maturidade sexual.  Mar-ia (outro de seus nomes) não tolera o voo das suas crias, transformando-as em jovens eternos (Bernardo, 2009:145-7, e Ligiéro in Bernardo, 2009:145-7).

Talvez por isso Adoniram Barbosa cantasse:

               E, além disso, mulher, tem outra coisa, minha mãe não dorme enquanto eu não chegar! Sou filho único, tenho minha casa pra olhar, não posso ficar nem mais um minuto com você. Sinto muito, amor, mas não pode ser. Moro em Jaçanã, se eu perder este trem, que sai agora às 11 horas, só amanhã de manhã.  ” (O Trem das Onze).


Foto da série Sueña Conmigo de Luis Beltrán


        Mas será mesmo que esta faceta do arquétipo e a mãe excessivamente protetora e cheia de apego, a ponto de limitar a vida de sua prole, não têm outra saída para sua intensa ação maternal e nutridora? Será que para os/as filhos /as a  saída é “matar” a mãe dentro deles/as, ou colocar a incontinência das águas em ferrovias definitivas? Onde entra o pai nesta história? (Isto já foi falado no texto "Sobre Paz e Homens").


        O filósofo indiano e mestre de Tantra Yoga P.R.Sarkar, ao falar sobre a mulher e o princípio feminino alerta, veementemente, que muito pouco se sabe sobre as águas , suas emoções e como se processa o infinito mundo dos sentimentos. Há pouco espaço para a manifestação de tal oceano. Ele usa o exemplo dos afetos de grupo dos Dugongos, mamíferos parecidos com leões marinhos, que de longe parecem mulheres com rabo peixe, para tentar mostrar como a “mente”, que em sua totalidade contém as emoções, se organiza pelo princípio feminino –  não apenas atributo da mulher. Perde-se com isso riquezas em diversas áreas do conhecimento, desde a arte da cura até as relações com o totalmente outro (Sarkar, 2006).


              ... aaah, se eu bebesse o mar... 

     Nas constelações testemunha-se o "tomar" como  possibilidade do fluir. Com as águas? Mais tarde este "encher-se" transborda atraindo o amor com um/a parceiro/a e o sucesso profissional. Mas onde começa o tomar? Hellinger diz: com a mãe e mais, “o AMOR começa com a mãe”:

“Onde inicia o amor? O amor começa com o tomar. Na Bíblia se diz que dar seria mais bem-aventurado que tomar. Isso não é certo. O que dá, se sente grande. O que toma, fica no chão. Toda vida é tomar, tomar, tomar, tomar, tomar. O que se interpõe no caminho do amor? Que nos neguemos a tomar. Isso é estranho. Onde começa nossa negação de tomar? Com a pessoa mais importante de nossa vida, da qual recebemos a vida. A negação a tomar começa com a mãe. Esse é o início da desgraça.” (Hellinger, 2012: 75)  

Se experiências traumáticas com a mãe acontecem na infância, este movimento de receber se interrompe. Por isso, Hellinger enfatiza o essencial, o chegar até ele. Como? Lembrando do nosso coração batendo com o dela dentro do cálice uterino. Quando o corpo, recebendo do corpo de outro (pai), foi o mesmo do/a filho/a que nasceria. 

Este é o essencial e já é imenso. A impossibilidade de retribuição da vida recebida leva à gratidão e a doação deste presente para outros. Não há como pagar aos pais a não ser se doando ao mundo. E como todos têm esta dívida, viva as trocas! Não importa nem se a mãe rejeitou a gravidez, se doou para adoção, se abandonou ou foi cruel, porque, se ela teve seu filho/a, o que venceu foi a vontade de tê-lo/a.

Tomar isso. E tomar tudo mais, sem julgamentos, porque este é o tesouro. Transbordar-se a ponto de atrair um/a companheiro/a para quem doar, ou seja, criar o caminho para chegar o outro. E depois, levar o amor de casal às últimas consequências tendo filhos/as, passando para eles tudo o que se recebeu. Tomar a ponto de encontrar sua vocação e ter necessidade de compartilhar com o mundo seus talentos. Tomar, tomar, tomar, para poder dançar com o universo. Fazer sua Liila (Dança Cósmica).

Aquelas pessoas oferecendo migalhas de amor, porque se “recusam” a tomar de seus pais, cederão lugar a quem tomou tudo, sem julgar, sem exigências, apesar de toda dor e traumas. Não significa que continuaram sofrendo agressão dos pais (pai e mãe), ou ficaram cegos às injustiças e tiranias que muitos deles fazem, mas aceitaram o que aconteceu e tomaram o essencial, a vida e o que nem se consegue ver diante de tanta dor, o amor por trás de tudo.


Com todo respeito: que as mães se sensibilizem que seu dom, ainda profundamente desconhecido e desrespeitado, não lhes dá o direito de afogar seus filhos/a ou retê-los/as em seu seio, não lhes dá o direito de injuriar o pai de seus filhos/as de maneira sutil ou escancarada.

Então, Eros, deus que antecede toda criação, filho de Afrodite, atingirá o alvo, o amor.


E, aqueles atados aos trilhos da solidão ondearão para  reverenciarem, humildemente, a Grande Rainha, a Deusa de toda criação: Odoyá Iemanjá!  


Foto de Sebastião Salgado 

Ou, simplesmente, sem o intermédio "homeopático" dos deuses, farão de fato uma longa reverência em seus corações dizendo milhares de vezes, QUERIDA MAMÃE, GRATIDÃO!








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