19 de fev. de 2013

18) A Nova Constelação Familiar e R...




O que um rapaz (R) de visão, porém diagnosticado com esquizofrenia, me ensinou sobre a Nova Constelação Familiar (que eu pensei ter começado a aprender em Munique)? Nós juntos...





Há algum tempo, Bert Hellinger, filósofo que tem alterado positivamente o rumo das relações humanas por meio de seu trabalho com as Constelações Familiares, se abriu a outros movimentos do amor nos sistemas constelados aprofundando sua forma de atuar, ou melhor, deixando-se atuar pelo o que surge numa vivência sem nem mais precisar de um tema para constelar.

(Para quem quer saber: O que é Constelação Familiar?)


Eu e mais 900 pessoas testemunhamos estes novos rumos no Seminário “Mulheres e Homens, como o amor poder dar certo na vida” em dezembro de 2012, aqui em São Paulo.  Segundo os professores deste seminário, Hellinger e Sophie, o "NOVO" significa que ultrapassamos a fase do "eu faço" para  "Nós Juntos".

Ele e sua esposa Sophie Hellinger, a quem atribui alguns dos créditos das mudanças  nas Constelações, alertavam durante o encontro: “sem intenções de curar, sem medo, sem preconceitos e sem compaixão abram-se ao Espírito e o deixe atuar.”

Eu estou tentando seguir esta orientação. Talvez por isso, agora, no carnaval eu peguei um casacão e uma mochila, num arroubo de quem não tem um Euro para pensar em ir para Teresópolis e fiz o Seminário Básico I - Mãe - em Munique com a Sophie. Ele já é fundado na Nova Constelação. (Falei sobre o tema da Mãe no posting anterior).




Seminário Básico I - Mãe, Munique, fevereiro de 2013

Querido Grupo dos Brasileiros, com Sophie Hellinger ao centro de blusa azul listrada  e cachecol rosa, Matias o sensível tradutor e Sascha o querido videomaker da equipe da Hellingerschule. Eu sou a terceira em pé da esquerda para direita.


Nestes dois encontros fomos apresentad@s à Nova Constelação Familiar, quando “simplesmente” nos centramos e deixamos algo se revelar sem falar nada. Já não havia mais perguntas como: “O que você quer constelar?” ou "Você perdeu alguém na família?".  Na verdade, já não havia muitas coisas e mesmo assim era mais intenso.


A pessoa se sentava ao lado do Hellinger ou da Sophie e era incentivada a abrir mão de toda expectativa, com a qual toda potencialidade de “cura” desapareceria. A ânsia de se ver livre de algum problema, como diziam, afunila, estreita e até impede a ação do Sublime. Desta forma, Hellinger (ou Sophie) se conectava - a partir do que chama de “seu centro” - à pessoa e se deixava conduzir ao essencial. Assim, algo surgia como uma frase, uma palavra, uma colocação de representantes sem que eles mesmos soubessem quem representavam. 


Os observadores, os constelados, os representantes e os consteladores seguiam o movimento com o coração e não com o intelecto e suas infinitas interpretações.

O Espírito, diziam eles, é uma convergência revelando os emaranhamentos e as soluções. Quando temos a pretensão de curar, quando sentimos medo e temos teorias ou preconceitos, ou mesmo quando sentimos compaixão pela dor do outro, o Espírito desaparece. Ele já não é mais necessário.

Neste caso, o Espírito não é um ser individuado entrando e saindo dos corpos, não é um senhor de barbas brancas, não é o Espírito Santo, nem um ser desencarnado dando conselhos. Mas é sim um Ser, como um campo onde todos convergem e por isso mesmo pode ser testemunhado. E nos testemunha.

Esta é uma inversão filosófica fundamental para se entender o que fenomenologicamente nos é revelado numa constelação, e no Oriente já se comenta há milhares de anos (ao menos no Yoga).  Conseguimos ser testemunhas, porque somos testemunhados. E esta testemunha age em nós. Se interferirmos, perdemos a ação dela e ficamos sozinhos nos agarrando em boias teoréticas.

Por isso, acredito, Hellinger e Sophie afirmavam sistematicamente mais ou menos assim: quando alguém constela aqui, TODOS ESTÃO CONSTELANDO, é uma experiência de todos, porque todos compartilham o mesmo Espírito (Campo de experiência). Abram o coração e o sentimento para vivenciar este campo nos movendo.

... os surfistas devem ter algo a nos ensinar sobre isso...

Bem, saí dos cursos treinando: “se estamos todos neste oceano, podemos estar abertos a este estado o tempo inteiro... sem expectativas, sem intenções, medo ou teorias...” E o treinamento se aprofundou esta semana com mais intensidade:


Um rapaz tropeçou numa obra inacabada (tiraram todas as árvores do meu Bairro e não replantaram várias) e quebrou a cabeça no meio da calçada onde eu estava. Algumas pessoas se puseram a ajudar. Ele falava muito, ele mandava em todos e era exigente. Parecia ter algum “distúrbio mental”, se é que isto existe.


Eu sentei ao lado dele e era ordenada a fazer perguntas sobre multiplicação. Eu perguntava: 9 X 4, ele respondia, 36 (fiz na minha máquina de calcular agora). Eu perguntava: 30 X 5, e ele dava a resposta sem pestanejar. Se eu me calava ele me pressionava a continuar. Eu, muito “querida” quis mudar de assunto e  sugeri: "vou tirar fotos para você processar a prefeitura, ok?"

Eu mesma não sou  de processar ninguém, mas queria distraí-lo e pensei que talvez isto fosse do interesse dele. Imediatamente ele ficou calmo e uma voz cheia de amor e compreensão me disse: “Não! De que adianta? É vingança. Vingança não leva a nada”.

Qualquer pessoa poderia ter dito aquilo acionando em mim alguma reflexão, mas nele estas palavras pareciam surgir do "tal do campo". É como se ele soubesse além das fronteiras... neste estado não tinha nenhuma "doença mental".

Ficamos quietos por segundos e eu "vi" - não sei como -, através de seu lado direito sangrando e profundamente machucado, dois homens brigando. Dentro dele havia dois ancestrais, possivelmente um assassino e uma vítima ou um tirano e uma criança indefesa, que se digladiavam. Este conflito irreconciliável entre o morto e o homicida, entre o tiranizado e seu algoz, foi permeando as suas gerações até chegar nele.




Eu falei ao telefone com alguns de seus parentes um pouco impacientes com  as “brigas que ele fazia na rua” - o que fiquei sabendo ao pedir socorro para eles -,  até que uma de suas primas, mais compreensiva e carinhosa me disse (de vivo para vivo): Ele é esquizofrênico.

hum... 


...os dois ancestrais brigando nele, com os quais estava emaranhado porque  tentava "erroneamente" ajudá-los repetindo a briga - agora dentro do seu psiquismo para chegar a uma solução -,  lhe conferiram um diagnóstico psiquiátrico.

 Estamos na época da medicalização da sociedade, ou seja, tudo e todos com suas emoções e jeitos de se relacionar com o mundo podem ser interpretados como doentes e ter seu remédio correspondente para voltar ao "normal".  Será que ele era esquizofrênico mesmo?


O Hellinger já havia testemunhado o mesmo acontecimento em constelações com "esquizofrênicos".


Mas o mais importante é: o que esta nomenclatura diz sobre o que de fato acontecia? Nada! Até inviabilizava a visão e talvez a solução.

Eu, ao telefone, respondia a todos os parentes: "ele não brigou com ninguém, ele caiu e está muito ferido, precisa de ajuda, não é cena e nem brincadeira". 


De repente, chega um primo  sinceramente preocupado, mas ao mesmo tempo visivelmente bravo com mais esta aporrinhação de R. Como era médico, fez todos os exames no local e o colocou no carro para leva-lo ao hospital. 



Imagino que poucos, numa família com "esquizofrênico(s)", saibam que ele vivencia um “distúrbio” familiar e não pessoal.


R, ao mobilizá-los com seus problemas "pessoais" de brigas na rua, quedas e ferimentos graves,  os convidava a olhar para algo que lhes pertencia também. Um “peso” coletivo. O problema é que mesmo R emaranhado e tentando mostrar algo com seus distúrbios não ajudava a si e nem o seu sistema familiar. 


Ele entrou no gol do primo dizendo: “Mônica, vem comigo. Mônica vem comigo”.

Eu não fui. 
Como diz Hellinger, às vezes, basta que se veja algo do outro sem julgar, e, ao deixar isto agir sem nem precisar falar, a própria pessoa - de quem se viu algo - encontra a solução. Esta ação sem ação gera um movimento. 

E eu não estava lá como consteladora, estava como pedestre ajudando um cidadão ferido, no entanto, nós dois, eu acho, dividimos a mesma visão por um instante. Se isto causará algum resultado nele, jamais saberei. 

Em mim causou. A experiência de testemunhar algo que testemunha além do tempo e do espaço me  deixou ver com ele. Eu e ele sabíamos que ele não era esquizofrênico e sim humano, muito humano.



Nise da Silveira e Antonin Artaud  têm muito a dizer sobre a esquizofrenia e seu talento de desbravar horizontes humanos.





Antonin Artaud - escritor, ator, dramaturgo francês, diagnosticado erroneamente como esquizofrênico. Inspirou a psiquiatra Nise da Silveira a fazer uma revolução na psiquiatria do Brasil graças a sua obra e de suas declarações sobre sua "doença", 









 Talvez R se ferisse, brigasse na rua se machucando, traduzindo o ódio entre estes dois homens ancestrais, um deles de sua família. Mas ele sabia, e eu não, que não adiantava a vingança contra o assassino, contra a prefeitura, contra o destino. Nele os dois teriam que ultrapassar o irreconciliável alimentado pela fúria e a dor, e se unir.


Numa dimensão, para além dos julgamentos e dores, no coração de R os dois podem encontrar o caminho para se uniriam e fazer a paz ...  Nele, na doçura e força de R, ainda havia chances de concordarem e se responsabilizarem pelo o que aconteceu.


Por isso eu não precisava ir com ele, nem ter pena ou compaixão. Mais do que todos nós, ele tinha a força, a compreensão e  a solução de acolher aquele destino, caso um campo se abrisse para trazer-lhe esta solução latente dentro dele.


Centrando-se e abrindo-se à ação deste Campo (Grande Espírito), Hellinger e Sophie nos convidavam à Nova Constelação (Nós juntos), esta entrega ao deixar-se constelar por algo que nos escapa, mas permeia a tod@s.





Let The Sunshine in

2 comentários:

583) Quem Nunca Matou um Dragão Por Dia?

  Quem Nunca Matou um Dragão por Dia? Mônica Clemente (Manika)   @manika_constelandocomafonte Por que tanta devoção a um Santo rebaixado...