18 de dez. de 2012

13) Sobre Paz e Homens



Introdução

Eu vou tentar alinhavar alguns insights que tenho tido ao longo dos anos sobre a criança eterna, o adulto, a relação pai e filho/homem - que, com os devidos cuidados, pode ser transposta para relação pai e filha/mulher - e as Constelações Familiares.


Decidi sobre este tema porque no seminário “Mulheres e Homens” de Bert e Sophie Hellinger aqui no Brasil – 2012 - tivemos a oportunidade de vê-los abordar esta relação dos Pais com os Homens. 

Numa das constelações, Hellinger disse para um dos parentes que não conseguia se mexer:

“Seja homem!”

Não havia nenhum julgamento nesta afirmação contundente, só uma força conectada com a dinâmica gerando um novo e potente movimento.

Seguindo esta "diretriz", durante todo o seminário ele foi claramente o parceiro conjugal e de trabalho de sua esposa Sophie, e vice-versa, empoderando-a, somando com ela o que acontecia.

Na hora das perguntas uma mulher vai até o palco, senta ao lado dele e questiona: “O que é ser um homem?”

Parte do público feminino aplaudiu e eu fiquei  sem graça e envergonhada - não pelas pessoas que aplaudiam, mas por alguma sombra em mim. Diante de todas as constelações sobre Homens e Mulheres, diante de todo carinho do Hellinger com sua esposa e dela com ele, diante de todos os homens que estavam lá e diante do movimento do amor que acontecia, uma mulher perguntou “o que é ser um homem?”.

Nós nem percebemos as agressões que fazemos com o masculino, basta inverter: é como se uma moça linda e inteligente desfilasse seu saber e beleza na frente de homens, e um deles perguntasse, “como é ser uma mulher bonita e sábia?”

Desprezo total ou cegueira?

Hellinger foi até educado ao responder: “Isto você vê na cara”.

Este tema sobre Pais e Homens, e a situação  embaraçosa, me rondaram o coração alguns dias até que me dispus a fazer os alinhavos citados no início desta introdução.

1) O Pai Excluído numa Constelação e a Espiritualidade


À medida que a fonte e seu movimento de amor apareciam numa constelação mediada pela vivência de um constelando, Hellinger e Sophie traziam alguns insights. Eles diziam: ninguém aqui constela sozinho, todos nós estamos recebendo algo por meio desta experiência. Não existe constelação que não seja para todos que estão testemunhando.

Assim, o que assistíamos - e agia em nós tanto quanto em quem constelava - era uma explosão sutil de movimentos em direção à inclusão e ao amor que pode dar certo.


E, de fato, todos nós tivemos um pai, que é um homem e todos somos filhos/as.

Segundo Hellinger, quando o pai não tem um lugar no sistema familiar, o corpo do seu representante, numa constelação, vai para trás. Podemos ver isso quando montamos sistemas com pais excluídos. Geralmente seu filho faz este mesmo movimento na dinâmica, e na vida isto se converte em busca pela espiritualidade. 

A questão é: qual é a espiritualidade de quem tem um pai que pertence?  Para longe e para fora, como aqueles que vão para trás sem apoio, ou para o centro?






Mas, e quando não há inclusão? E quando os pais e seus filhos/as ainda estão nublados um para o outro, quais as dinâmicas que se criam? 


2) O Puer Aeternus e a Puella - Arquétipos de filhos/as de pais excluídos?

O significado do puer e puella aeternus é:
  • Puer (masculino), puella (feminino) - pueril, jovem, criança.
  • Aeternus - eterno, para sempre.
  • Puer Aeternus -  o Jovem eterno. Deus criança na mitologia. Deus da vegetação e, portanto, da ressurreição: Dionísio, Eros, Osíris, Adônis e outros. 


O/a Jovem eterno/a é o arquétipo da criança, da brincadeira sem intenções, do adolescente sem escolhas porque é o tempo de experimentar-se. Do primeiro olhar, mesmo que seja pela milésima vez. Revelação da transitoriedade em infinitas formas. Ele suscita as visões, os sonhos a se realizar. Leva o mundo para frente em saltos quânticos – não há escadas, nunca é linear. Colhe do invisível o agora inimaginável.

Alguém mediado por este arquétipo realiza coisas surpreendentes, mesmo que ninguém as reconheça em sua época. Clareia além das fronteiras, porque tem raízes para grandes voos.

Quando o puer em nós não consegue ceder lugar também ao adulto, porque não tem continentes para enraizar, ele adoece, perde a força de concretização. Leva vidas provisórias com medo de nunca mais escapar do compromisso assumido. Alguns chamam de síndrome de Peter Pan. Ele devaneia sem os atritos das pedras, lhe falta o ar e o que queimar, se afoga como uma pipa perdida no vento..., e até o éter se cansa de tanta flutuação.

Segundo Jung e Marie-Louise Von Franz, sua "cura" - na verdade concretização de seus talentos maravilhosos - viria do trabalho diário em algo estimulante para sua jovem libido. Ele, ao se estabelecer na rotina, às vezes sufocante, conseguiria encontrar seu lugar e daí sua vocação primeira – ele tem muitas vocações (voz do coração) e talentos (Von Franz, 1981). O puer e a puella desenraizados teriam o desafio de queimar na banha do dragão, ser alado, filho das serpentes rastejantes com os voos das águias.


Esta explicação nunca me deixou muito satisfeita, faltava algo. Neste sentindo, Hillman contribuiu dizendo que o puer só consegue se comprometer quando acolhe o que lhe falta, quando inclui sua outra face, a do velho sábio, Senex. 

      Esta está excluída e impossível de se manifestar. A contrapartida não saudável do puer, então, não seria o velho sábio Senex, mas o Senex ranzinza, crítico, distímico. Falta neste ancião a aceitação do riso, da brincadeira, da leveza em suas origens profundas. 



Aged Ignorance by Willian Blake
Dois poderosos deuses confrontando suas melhores ofertas.


Hillman se aprofunda em sua hipótese fazendo uma releitura das personagens mitológicas com traços pueris apartados do Senex e encontra neles sempre algum ferimento na perna: Hefesto, Eros, Ulisses...(Hillman, 1999).

Estas considerações me levaram a fazer associações:

Pernas..., raiz? Terra? Pai?
Ferimentos, fendas? Abismos? Exclusão?
O puer pode ser compreendido como a condição de desfiladeiro entre pais e filhos/as?

Hillman enfatiza que o caminho da redenção para o puer viria do encontro do pai com o filho, ou do Senex com o Jovem Eterno (1999: 159).

Falando sobre isso com um amigo que me muito me inspira, lembrei que o Puer e o Senex têm alguma relação com o  Saturno e o Sol, tanto na astrologia, como nas festividades antigas. 


(Hermes - Mercúrio -, e não o Sol, é o representante mais próximo do puer em um mapa, mas achei que valia a pena investigar a relação do Sol com o Saturno).


Continuei as associações por este viés para entender nas fases da vida o movimento em direção ao pai. Foi assim que eu cheguei às Saturnálias festividades que reverenciavam a morte e o renascimento - ciclos importantes que escapam ao puer perdido em seus devaneios desenraizados.

  
3)  As Saturnálias e o encontro do Sol com Saturno.

Na astrologia entendemos Saturno como o limite que ensina ou aniquila; é o professor, o velho, Senex, o avô, o pai do pai, o trabalho no mundo, o corpo e tudo aquilo que na família é desconfortável - que não pode ser incluído.

Já o Sol nos remete à criança e aos filhos/as, mas também ao pai, ao homem, ao Self, à vocação, às brincadeiras, à luz interior e exterior, ao brilho, à fonte e à criação. O centro. 




O que eu questionava era: o Sol em capricórnio, signo regido pelo saturno, e  os trânsitos de saturno com sol - que todos nós temos de 7 em 7 anos - podem ser interpretados como fases e oportunidades para fortalecer os encontros do PUER com SENEX, de SENEX com o PUER? Do pai com seus filhos/as? Dos filhos/as com o pai? Depois do homem com a mulher? Da pessoa com sua vocação? Com a morte de uma fase e nascimento de outra - sentido que falta ao puer?



Iniciamos e encerramos ciclos como nas Saturnálias festejadas entre os dias 17 e 23/12 (sol entra em capricórnio dia 22/12). 
Com ela se agradecia o ano VELHO e se dava boas vindas ao ano NOVO. Um atrás do outro, apoios para continuação, mas também a Terra e a terra e suas mudanças, seus ciclos - oportunidades.

    Vi estas mesmas relações entre pai/ filho, homem/terra, saturno/velho, perna/raiz, sol/vocação,  fases / oportunidades nos trabalhos dos estudiosos do Floral de Bach.

4) Florais e Bach como suporte para este movimento

Alguns deles relacionam o WILD OAT (floral da vocação) e o CHESTNUT BUD (floral do aprendizado) ao puer aeternus “desequilibrado”. 

Monari (2009) e Barnard (2004) inclusive falam do poder enraizador do Wild Oat. Já testaram seu poder de regeneração em quem quebra a perna e/ou tem que recomeçar a andar.


Todas estas relações feitas até aqui, muitas vezes uma tentativa de racionalizar os sentimentos angustiantes da impossibilidade de chegar ao pai, tomavam vida durante uma das Constelações feitas no seminário.


5) Constelação Familiar com Bert e Sophie Hellinger

    Quero dizer, alguns destes elementos elencados acima surgiam em toda sua pujança através da constelação de um dos nossos colegas. Com ele e seu sistema familiar, sentimos o poder curador do pai. 

A partir daí, como é do seu costume, Hellinger conduziu uma visualização para aproveitar o movimento que acontecia. Dizia ele mais ou menos assim:

Imagine você bem pequeno/a olhando para o seu pai. Desejando caminhar até ele.

De repente, um deus imenso se coloca entre vocês. Ele te proíbe de seguir teu caminho. Ele faz tuas pernas tremerem de medo.

Que deus é este? 



Wild Oat, as nuvens e o Sol

A mãe*...


Agora, se desviem desta muralha e olhem para seu pai. Caminhe até o lado esquerdo dele e fique ali. Sinta o efeito.

Tempo...

Abrimos os olhos e ele continuou:

O caminho para o mundo é o pai quem dá.  Mas um pai não pode ir para o filho, nem o filho para o pai. Mesmo que a mãe não impeça este movimento, ela é muito forte, é a matriz, o coração do coração. O que ela deveria fazer, então?

Ela deveria, amorosamente, levar seu filho/a pelas mãos - assim que ele/a começasse a andar - até o pai, deixando claro que agora ele/a também tem um pai, assim como uma mãe. Nele, os dois homem e mulher, pai e mãe se unem.

O/a filho/a ganha assim a possibilidade de ganhar a terra, de ter raiz, um lugar, força para abarcar seu destino. Pode ser um Homem para sua mulher, um Pai para seus filhos/as.

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* A mãe que faz tremer, que Hellinger se refere,  é aquela que não respeita o pai, não o aceita como o certo para o/a filho/a. Este/a filho/a só vem ao mundo pelo encontro deste pai com esta mãe e não por outro homem ou outra mulher. 

   É como se uma “mãe laranja” dissesse para a Laranjinha: não coloque o Laranjeira em seu coração, ele está podre, fique com o Seu Macieira.  E Hellinger não estava falando de deixar uma criança a mercê de um pai violento ou negligente, nem de todas as mães, mas daquelas que no seu poder de matriz, impede o movimento do/a filho/a para o pai. Daquela que impede o/a filho/a de colocar o seu verdadeiro pai no coração, geralmente por meio de diversos julgamentos.



6) Considerações finais

    Depois de alguns dias sob o efeito do seminário, este movimento também significou o encontro da Puella - que existe em mim - com o Senex. Passei a ver os repetidos ferimentos que faço nas pernas – joelhos, tornozelos – como ânsia por esta inclusão, este apoiar-se, este caminhar até o pai, avô, bisavô...

A vocação eclodiria daí, assim como o lugar no mundo? Terra, aterrar? 

      Só deixando agir para saber.

Ando sentindo que não importa muito se o pai rejeitou o/a filho/a, ou foi bruto ou negligente (isto é responsabilidade dele), ou se a mãe fez chantagens mortais ou falou mal do pai para que o puer e a puella não fizesse este caminho, ou pior, se o pai morreu muito cedo. O caminho podia, pode, ser feito no coração. E depois, se for possível, pode ser feito em direção ao próprio pai, como um herói disposto a enfrentar qualquer desafio em busca do seu maior tesouro, de sua mais preciosa riqueza.

Hellinger termina esta parte do seminário dizendo que um dia teve um insight:


homens travam a guerra, Pais fazem a paz.


8 comentários:

  1. Muito, muito interessante!!! Maravilhosos textos! Gracias!

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  2. Parabéns pelo site e pelo belo texto! Encontrei-o ao pesquisar sobre o tema, e adorei.
    Tenho muito do Puer e estou em busca do Senex... Gostaria de tirar a seguinte dúvida: esses florais mencionados são indicados para quem está mais "puer" ou para quem está mais "senex"? Quem sabe isso me ajude!
    Grato,
    Lucas

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    Respostas
    1. Oi Lucas! Gratidão pelo comentário e incentivo!
      Bem, além da reverência ao pai, que, tenho visto, auxilia muito o Puer a integração do Senex, os florais citados - Wild Oat e Chestnut Bud - ajudariam ao Puer nesta jornada de resgate de sua contrapartida "saturnina". Os florais para o Senex, imagino, seriam o Rock Water, Beech e talvez o Gentian.

      De qualquer maneira floral é sempre algo muito pessoal. Estas generalizações que fiz podem funcionar só se coincidir com o floral que a pessoa realmente precisa.

      Um abraço, mais uma vez gratidão!

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    2. Bacana, Manika.
      Dei uma pesquisada sobre o Wild Oat e o Chestnut Bud, creio que irão mesmo me auxiliar. Muito obrigado por responder, e pelas dicas. E novamente, parabéns, continue com o blog e o bonito trabalho! Um abraço.

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  3. Gostei muito Manika, vou comnpartilhar!

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