31 de out. de 2012

8) Os 14 nomes de Lilith





Dia 31/10 é o dia do Saci e também nos países de língua inglesa é o dia das Bruxas. Na tradição Celta é um dia de celebração das feiticeiras. Para os estudos da alma a feiticeira é a mulher que acolheu a sombra e a luz em si mesma - assim como o feiticeiro -, impedindo que seus potenciais negados passem a sugar sua energia e enfraquecer sua vida.


Há um protótipo coletivo, contado em mitos, que guarda as potencialidades rejeitadas femininas e esperam ser integradas: Lilith, uma imagem inquietante derivada do arquétipo da Grande Mãe (Sicuteri, 1985). Conhecida também como a Lua Negra, é a faceta sombria do feminino que evitamos encarar. É o último encontro com as energias rejeitadas lá nas profundezas antes da iniciação nos mistérios. Diz-se dela demoníaca, justamente porque representa aquelas partes excluídas  que aprendemos a odiar: “não é assim que se porta uma mocinha”, "Esta moça não é para casar". É também o lado terrível da vida amalgamado ao extraordinário.




Seu convite  não manda recados, é o de ter com a alma, sem a mediação da razão, um embate verdadeiro. 

Queimada nas fogueiras do consciente e da inquisição, este vazio tenebroso e indomável, arde desertos incognoscíveis a espera de um olhar.

Chamo de feminino o princípio côncavo, escuro, indecifrável e introvertido infiltrado em tudo e todos, não só na mulher. É verdade que o útero, receptáculo oracular na fêmea, é um expoente de carne deste lado da Deusa. Por falar nisso, no mapa astrológico, a Lua Negra indica as curvas rejeitadas do princípio tecelão.


Lilith, fragmento do quadro de John Collier, 1892

A serpente, senhora dos mistérios, a energia Kundalini, arrasta o seu ventre até o Sublime.


Já o mito, entendo como histórias pessoais que perderam suas raízes de sangue transformando-se em lendas coletivas “transcendentes". Portanto, é um dos caldos afetivos da nossa totalidade onde se acessa destinos longínquos em sua pujança arquetípica.

Quero dizer, ou os mitos nos escrevem sem a gente notar, ou começamos a co-criar com eles. Quem já participou de uma Constelação Familiar apreende como é isso. 

No caso, como nos conta os mitos, 3 mil anos antes de Cristo existia um gênio na Suméria chamada Lil, o vento. Este elemental "se uniu" a Layl, ou Noite em Hebraico, formando onome de Lilith, a primeira mulher de Adão. Ela não era domesticável, exatamente como a vida e a morte jamais serão. Talvez o medo e o horror desta condição inexorável tenham ajudado a renegá-la, excluí-la e finalmente trocá-la  por uma nova criação, "menos" desafiadora, Eva. Esta, ao tentar incluir Lilith (parte de si mesma), escutando a serpente, descobre, horrorizada, que foi a responsável pela expulsão do paraíso.

Imagina toda uma cultura se erguer sobre os escombros da queda? (Campbell, 2001) E sobre a demonização do feminino, da natureza, no instintivo, do selvagem e do irracional?


pintura de Alexis Steele 

É como se nos dissessem "gramofonicamente": “se você incluir a morte, as doenças, a maldade, a dor, o prazer, a loucura, a natureza, o que não se pode conhecer, o mistério, o gozo sem intenções, a intuição, o irracional, você está fora”.

Fora de que? A vida não tem concessões, ela é o que é. Nela mesma cabe a bem-aventurança e a total destruição, os 5 rostos de Shiva. Os diversos atributos das Deusas.

Shiva, por sinal, sede aos encantos de Kali, um dos nomes de Lilith, quando é submetido ao seu poder renovador. Ela, com seu colar de caveiras, acaba com as ilusões para uma vida mais vigorosa emergir. Vemos algumas semelhanças com os mitos de Ísis.


Kali sobre Shiva
Om Mata Om Kali Durga Devi Namo Namah
Shakti Kundalini Varade Mata

Resumindo: Lilith, esta energia renovadora, guardião dos mistérios, foi substituída por Eva. 

E o que a gente tem a ver com isso?!

Alguém já foi trocada por uma mulher “bem melhor”? Menos descabelada, com a carteira assinada? Ou enlouquecida e selvagem com mil tatuagens e uma motoca desembestada?

Alguém já foi comparado/a com um/a irmã/o? É assim que os pais manipulam, pela culpa e rejeição, o que aceitam e o que não toleram. Quando o namorado é apaixonado por você, mas te diz: “não te quero, você é muito diferente de mim!”, ele tenta fazer a mesma coisa: dizer o que cabe e o que não. Ele simplesmente podia ter ido embora, mas justificar pelas diferenças? Já viu algo mais diferente do que 2 pessoas? Imagina um homem e uma mulher? Qualquer outra pendência é pinto... a começar por aí...

Quando a sociedade ou a família diz, “mulher direita é isso e a vagabunda é aquilo”, ela está esclarecendo quais as características você pode desenvolver em segurança e quais terá que excluir para ser aceita. 

Lilith gostava de ficar por cima no ato sexual, e por isso foi expulsa!  Porque desafiava a passividade, mas nunca o mistério. Revelava que a natureza não era tão boazinha, nem subordinável, uma vez que "comia" criancinhas. A morte e os partos trágicos não a deixavam mentir.

 Alguma semelhança com o que acontece ainda hoje  em todas as famílias quando os potenciais assustadores para aquele sistema são reprimidos? 

“Aquela mãe desnaturada”. “Aquele tapa na cara da avó puritana”. “A piranha que roubou o meu bisavô da bisa”. “Os abortos provocados”, e os cistos doloridos, a cólica, o olhar ferino, a unha pintada e aquele sorriso. Gritos de socorro de forças sufocadas?

Quando a primeira mulher teve coragem de integrar em si mesma, a despeito de todas as rejeições e violências, todas as suas dobras -  as mais difíceis e as mais lindas e invejadas que a fizeram ficar tão mal-humorada ou doce e linda-, ela se tornou feiticeira. 

Nas Constelações tomamos até a borra, a mãe, a avó, a bisavó, mesmo que o seus lados terríveis tenham sido mais atuantes.  Ora, se foi assim, tem muito feminino atrofiado que precisa ser legitimado. Tomar, mesmo aquelas que parecem uns docinhos, mas de fato são terríveis com sua abnegação santificada.

Tomar tudo, até seu fim.

Não quer dizer se manter sob a negligência ou o domínio de torturas psicológicas e físicas da mãe, pelo contrário, é absorver a seiva que vem, sem julgar, sem se arrogar nem tentar curá-la, sem querer mudar o que aconteceu, para dar outros contornos mais criativos a estas manifestações até então desafiadoras.

É também aceitar as amantes, as filhas “ilegítimas” de nossos pais e avós, as mães biológicas dos filh@s adotivos e dizer para elas: vocês pertencem! É incluir todas as faces do feminino excluído em nós e em nosso entorno. Ninguém está dizendo para gostar ou conviver com o que causa dor, mas acolher o que pertence.

Marie-Louise Von Franz, analista junguiana, e o próprio Jung, enfatizam a descida até a essência, o encontro com a prima matéria para encarar a sombra, os nossos aspectos negligenciados. E com Hellinger, nas Constelações Familiares, temos encarado e acolhido pessoas do nosso clã familiar que foram proscritos.

Por isso, nos cultos em homenagem ao feminino, se falam os 14 nomes de Lilith: 

Abiti, Abiga, Amrusu, Hakash, Odem, Ik, Pudu, Ayill, Matruta, Avgu, Katah, Kali, Batuh, Paritasha, 

para que ela não destrua nossa insanidade bem-aventurada, nem nos faça cometer ou negar, se tiver que ser assim, os atos terríveis (Koltuv, 1985). 

Só então se pode ter com a alma um encontro decisivo.


foto de Thomas Paul Bisinger

em uma das marcantes passagens do seu encontro com o Deadvlei na África do Sul:




[i] Enquanto eu escrevo sobre Lilith, uma mãe quase enlouquece com seu filho aqui ao lado, A Márcia me convida para ver um show a céu aberto com a Lua Cheia, e a Fernanda Soares, que fez um lindo ritual da Lua anteontem - um culto à Isis, com 14 mulheres que chegaram aleatoriamente, me liga.

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