4 de out. de 2012

7) O Corpo, a Saúde e o Infinito





O Corpo e a Natureza de Arno Rafael Minkkinem

Há possibilidade das constelações agirem sobre o corpo, e, portanto, sobre as doenças e a nossa saúde?

Eu não tenho a pretensão de provar esta ação, mas de refletir sobre a concepção de corpo respaldada nas vivências da constelação para tatear este potencial. Para chegar aí - e ainda falta muito - precisei de 10 anos refletindo sobre a visão de corpo do Yoga, que acabou numa tese de doutorado, e oito anos fazendo constelação como participante.

Segue o link da tese se alguém se interessar pelo tema:

Tese "Yoga e Vigor: a corporeidade pluridimensional e as novas práticas em saúde"


No yoga, por exemplo, o corpo que somos está em relação com o mundo interno e externo. O choque entre a nossa existência e o entorno, seja ele o ambiente, a cultura, os outros ou o universo interior, são as circunstâncias inexoráveis da nossa presença pujante no mundo.

Partindo do pressuposto de que é na relação que nós nos desenvolvemos, um dos caminhos que percorri para fazer a tese sobre o corpo no Tantra yoga, na perspectiva de P.R.Sarkar, foi entender a unidimensionalização do nosso corpo no itinerário intelectual ocidental.



Mesmo que não pensemos sobre isto, estamos num caldo afetivo coletivo que incorporamos como realidade. Ou seja, quanto mais fragmentado ficou o conhecimento e mais especializado o nosso olhar, mais dimensões nós perdemos ou foram delegadas a compartimentos irreconciliáveis.  Ou, se ainda resta alguma dimensão mais poética e viva no corpo (sim, o corpo já foi concebido como um cadáver que recebe a centelha da alma para viver), este algo está dissociado dele. Prova disso é a efemeridade em que têm se transformado as relações amorosas. Não legitimamos mais as águas emocionais por trás dos encontros, como se pudéssemos, ao não olhar para isso, ficar imunes a elas.  


Se a gente parar para sentir este caldo afetivo da atualidade, sentiremos que somos esgarçados, fatiados ou reduzidos a um amontoado de órgãos, funções e disfunções. Para cada um dos desequilíbrios, mesmo aqueles das dores da alma, podemos encontrar um remédio.  A tarja preta virou nossa faixa. Sentir dor e tristeza caiu em desuso e pode aniquilar nosso sucesso social. O negócio é estar bem na foto, sempre!


                         Arno Rafael Minkkinem

Por outro lado, também ficou mais difícil sustentar a existência em nossas pernas, em nossos órgãos genitais, em nosso coração (Lowan, 1977). “Graças a Deus” inventaram a internet para diminuir a carga de vida provocada pelos encontros. Reich, W. e Lowan, A. têm muito a nos dizer sobre isso. 

Além disso,  mente e corpo tornaram-se entidades irreconciliáveis nas estratégias de saúde da biomedicina, e em alguns pensamentos filosóficos.

A alma, por exemplo, desapareceu e acabou embutida aos atributos da mente. A mente e a alma viraram a mesma coisa, ou a alma, em algumas religiões, é tratada como aquilo que deve ser salvo das maldições da existência corpórea. Nas concepções alternativas da atualidade é a mente, e não o corpo, a causa das doenças. Só deslocamos o mal para outro responsável e vamos persegui-lo em nome da saúde! A mente, por sua vez, foi reduzida ao cérebro e este a um amontoado de funções que explicariam a totalidade humana.

Esta redução e fragmentação da nossa presença sensível no mundo não aliviou o sofrimento, mas contribuiu para que reagíssemos e buscássemos outras concepções de existência e de corpo, assim como novas terapias para lidar com a complexidade de nossas vidas (Luz, 2007). Antes disso, Nietzsche com suas marteladas filosóficas, Freud com o inconsciente e Jung com o inconsciente coletivo, também preparavam o terreno para entrada de outras visões de mundo no Ocidente Iluminado (Eliade, 2001). É neste processo que o yoga  chega à cena Ocidental  -  final do século XIX.





Shiva Shakti



Para o yoga, o corpo é um dos atributos da existência que foi se constituindo ao longo de milhares de anos de choques entre o vivente e o entorno, seja a natureza, outro ente ou a cultura (Sarkar, 2006). Um ser unicelular, por exemplo, se afasta do que pode aniquilá-lo, assim como se move em busca de alimento. Se ele tem capacidade de fazer estas “escolhas” podemos dizer que há uma “mente” embrionária nele. Este ser, no contato com o entorno, vai se sofisticando para sobreviver, incorporando novos atributos físicos para dar respaldo ao desenvolvimento das competências que manterão sua existência.

 
À medida que o corpo se sofistica para dar conta de novos atributos - inclusive mentais -  o entorno é transformado. Nesta relação desenvolveu-se o ser humano, as culturas, as sociedades. O elo perdido entre o humano e os animais e a natureza é o rabo. Nos seres humanos, ele é parte do inconsciente coletivo e seus ossos gigantescos. Esta afirmação pressupõe uma ligação do ser humano com a natureza e os outros seres viventes.

Para que esta ligação tenha alguma legitimidade é preciso mudar o pensamento de que somos uma máquina, ou que uma alma entra num corpo, ou de que há uma alma individual para cada ser. É preciso pressupor que há algo que nos una, uma substância (Grande Alma?) que se organiza em diversas manifestações e que elas (estas manifestações) se relacionam e se interinfluenciam, sofisticando-se nestes encontros, não porque querem se sofisticar, mas porque têm pulsão de vida e NUNCA DE MORTE, apesar dela – a morte - ser uma aliada para refletir sobre a vida e a alma.

Alma e vida são dois domínios “distintos”, mas não vou entrar nesta seara agora.

O corpo humano para o yoga tem dimensões que vai da esfera física até a espiritual, porque foi se sofisticando no mundo. Somos pluridimensionais. As camadas mais profundas destas dimensões são coletivas, universais, pertencem à natureza e também guardam registros ancestrais, assim como anseiam incorporar mais dimensões que ainda não temos condições de atuar – agir com elas. Por isso o yogue medita, faz os ásanas – posturas confortáveis de yoga -, prática algumas respirações, canta alguns mantras que têm ligação com os sons internos do corpo, para poder  se expandir (...). Até onde?




Corpo e natureza de Arno Rafael Minkkinem


O objetivo do yogue é entrar em uníssono, se estabelecer no centro e se libertar das amarras, não porque nega a existência, mas porque faz dela o trampolim, o ambiente privilegiado para se fundir no Todo. Todo?

Nas práticas das Constelações vemos esta alma coletiva agindo nas famílias e seus encontros e desencontros. O corpo, para a constelação e como o vivenciamos no yoga e tantos outros saberes orientais, é um atributo de algo maior. Ele é tecido neste algo, que já se configurou em natureza, que é o ventre úmido da vida.

Se o corpo vivo se auto-organiza deve ser porque guarda em si atributos de alguma inteligência que ainda nos escapa em sua totalidade, mas está permeando a existência.

Logo, quando deixamos as imagens da alma agir sobre nós no processo da constelação, como é que não estarão atuando no corpo? Não há nada físico ou mental que não esteja de alguma forma se interinfluenciando, porque são dimensões de nossa totalidade. Não acredito, porém, que a mente é a causa da doença, nem que o corpo também o seja.

Acredito, por hora, que a relação entre nossas dimensões e o entorno pode ser permeada pela experiência da doença para alcançar um novo patamar de existência, para incorporarmos novos potenciais. A saúde, neste sentido, pode ser entendida como a capacidade de reação aos desafios da vida e não como a falta de doença. Políticas públicas que ajudem nesta reação é um grande aliado da saúde.


Como diz Hellinger (2007: 47):

“Algumas vezes a alma quer ficar doente, mesmo que o “eu” tenha se decidido por outra coisa. Para a alma, a saúde não é o bem máximo. Nem mesmo a vida é o bem máximo para a alma. Ela está ligada simultaneamente a algo mais profundo e trata de trazê-lo à luz. Quando se está ligado a isso, surgem efeitos singulares no corpo.”


Tudo isto me lembrou uma conversa com a uma monja de yoga (Didi Mitra),  há anos atrás (1998):

Eu estava trabalhando com ela, em seu quarto, madrugada adentro, depois de um dia cheio de dores e desafetos e de ter testemunhado um gato macho matar um filhotinho, sem que eu pudesse fazer nada para evitar. O bravo gatinho morreu em minhas mãos impotentes. Depois de desfiar meu rosário de reclamações, de mostrar meu medo, meu rosto cansado e minha falta de esperanças na vida eu perguntei: “Por que a vida é tão difícil, Didi?” Ela me olhou, sorriu, esperou um pouco e me disse:

 “A vida foi feita para fortalecer a gente para realizar o Infinito.” (Didi Mitra)


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