4 de jun. de 2013

25) Um homem e uma mulher sós


1)  Do movimento interrompido para o pai e 
2) do finalmente, não!



1)      Desde muito pequeno ele aprendeu a esperar o pai sem saber ao certo se, na volta dos negócios, teria tempo para o filho. No início, seu sentimento de solidão era avassalador. Quanto afastamento uma criança pode suportar até criar fugas do desejo de intimidade que nunca aconteceria?

               Mais velho, depois da adolescência, conseguindo entender um pouco do universo que encantava o pai, pôde abrir algum caminho com ele no trabalho. A infância continuou a soprar suas senhas sem sentido: “não precise de ninguém emocionalmente, mas se fizer tudo certinho quem sabe entra no mundo dos céus?”.

               O céu é um lugar sem pai, só das mães...

2)      Desde pequena ela aprendeu a sufocar sua personalidade ainda mal formada para satisfazer a voracidade da mãe possessiva. No início seu anseio por liberdade das invasões do buraco negro a levaram a se isolar com arame farpado, disfarçado de palhacinhos. No escuro pareciam espantalhos. Quanta proteção uma criança pode erguer quando não é respeitada em seus limites?

               Mais velha, depois de se impor a perda do primeiro filho ainda na barriga, entendeu sua disponibilidade inconsciente de ser invadida pela mãe que passara pelas mesmas perdas auto-impostas e quase enlouquecera. A infância continuou a soprar suas senhas sem sentido: “nunca abandone o seu cercadinho, assim vai salvar a mamãe do desespero da culpa. Você é maior que Deus!”.

         Quem não diz não para as Fúrias[i] se assoberba para além dos deuses. 
         Uma voz sábia (Hellinger) disse: Vai para o pai que lá é mais seguro.


Orestes Perseguido Pelas Fúrias, Adolphe William Bouguereau



      Um dia, sem que pudessem escolher, Eros, deus do amor, uniu este homem a esta mulher enclausurados em suas solidões. Como seus critérios de relacionamento estavam duramente alinhavados com as suas defesas, recusaram a flechada do Cupido.  Assim, a indisponibilidade de um e o arame felpudo da outra desafiaram os pés no chão dos instintos divinos.

 O primeiro deu a sentença: “ela não serve aos meus ideais”, e a segunda afirmou a sua queixa: “ele me deixa sozinha”. Separaram-se, e como ninguém deveria bater no Cupido com um mata-moscas, acabaram sofrendo de repetição compulsiva dando as mesmas desculpas para si mesmos em outros relacionamentos.

         Tempos depois, ainda movidos pelo veneno do deus, se reencontraram. Só então a verdade se revelou. Ele teria que ir para o pai, emocionalmente, sem os disfarces de ter que ser igual aos ideais de sua tribo para ser aceito. Ela teria que deixar o arame farpado de pelúcia, sua mãe, com Deus. É em vão chantagear o Uníssono com a culpa destruidora. Não se salva alguém se sacrificando em seu lugar, só aumenta a dor.

       Nunca se soube se enfrentaram o verdadeiro desafio ou se, como zumbis, continuaram a repetir seus códigos de proteção. O que se sabe é que Eros não perdoa, Apolo[ii] que o diga. Quem pisa na felicidade grande acaba dormindo com os caquinhos.





[i] As Fúrias ou Erínias são as deusas encarregadas de castigar os crimes dos mortais, fazem sua justiça fundadas no desejo da vingança sem contextualizar as ações que levaram a tal ato, sem um "justo" julgamento. Quando alguém carrega uma culpa imperdoável se pune com a sentença máxima, a morte, sem entender que esta aumenta o sofrimento do que aconteceu. Ou, como quero retratar neste texto, impõe este sacrífico a um/a dos/as filhos/as que assume a culpa e a punição em seu lugar.

[ii] Apolo fez chacota de Eros, dizendo-se melhor com o arco. O filho de Afrodite, em represália, lançou uma flecha de ouro despertando em seu inimigo uma paixão avassaladora pela ninfa Dafne. Ela, por outro lado, foi atingida pela flecha da rejeição, fugindo desesperadamente do Deus da Razão até se transformar em um loureiro.   É este mesmo deus, Apolo, que inspira a defesa de Atená para libertar Orestes da condenação das Fúrias, quando o "leva para o pai".           


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