1) Do
movimento interrompido para o pai e
2) do finalmente, não!
1)
Desde muito pequeno ele aprendeu a esperar o pai
sem saber ao certo se, na volta dos negócios, teria tempo para o filho. No
início, seu sentimento de solidão era avassalador. Quanto afastamento uma
criança pode suportar até criar fugas do desejo de intimidade que nunca aconteceria?
Mais
velho, depois da adolescência, conseguindo entender um pouco do universo que encantava
o pai, pôde abrir algum caminho com ele no trabalho. A infância continuou a
soprar suas senhas sem sentido: “não precise de ninguém emocionalmente, mas se
fizer tudo certinho quem sabe entra no mundo dos céus?”.
O
céu é um lugar sem pai, só das mães...
2)
Desde pequena ela aprendeu a sufocar sua
personalidade ainda mal formada para satisfazer a voracidade da mãe possessiva.
No início seu anseio por liberdade das invasões do buraco negro a levaram a se
isolar com arame farpado, disfarçado de palhacinhos. No escuro pareciam
espantalhos. Quanta proteção uma criança pode erguer quando não é respeitada em
seus limites?
Mais
velha, depois de se impor a perda do primeiro filho ainda na barriga, entendeu sua
disponibilidade inconsciente de ser invadida pela mãe que passara pelas mesmas
perdas auto-impostas e quase enlouquecera. A infância continuou a soprar suas senhas sem
sentido: “nunca abandone o seu cercadinho, assim vai salvar a mamãe do
desespero da culpa. Você é maior que Deus!”.
Quem
não diz não para as Fúrias[i]
se assoberba para além dos deuses.
Uma voz sábia (Hellinger) disse: Vai para o pai que lá é mais seguro.
Orestes Perseguido Pelas Fúrias, Adolphe William Bouguereau
Um
dia, sem que pudessem escolher, Eros, deus do amor, uniu este homem a esta
mulher enclausurados em suas solidões. Como seus critérios de relacionamento estavam
duramente alinhavados com as suas defesas, recusaram a flechada do Cupido. Assim, a indisponibilidade de um e o arame felpudo
da outra desafiaram os pés no chão dos instintos divinos.
O primeiro deu a sentença: “ela não serve aos
meus ideais”, e a segunda afirmou a sua queixa: “ele me deixa sozinha”. Separaram-se,
e como ninguém deveria bater no Cupido com um mata-moscas, acabaram
sofrendo de repetição compulsiva dando as mesmas desculpas para si mesmos em
outros relacionamentos.
Tempos
depois, ainda movidos pelo veneno do deus, se reencontraram. Só então a verdade
se revelou. Ele teria que ir para o pai, emocionalmente, sem os disfarces de ter
que ser igual aos ideais de sua tribo para ser aceito. Ela teria que deixar o arame
farpado de pelúcia, sua mãe, com Deus. É em vão chantagear o Uníssono com a
culpa destruidora. Não se salva alguém se sacrificando em seu lugar, só aumenta
a dor.
Nunca
se soube se enfrentaram o verdadeiro desafio ou se, como zumbis, continuaram a repetir
seus códigos de proteção. O que se sabe é que Eros não perdoa, Apolo[ii]
que o diga. Quem pisa na felicidade grande acaba dormindo com os caquinhos.
[i] As
Fúrias ou Erínias são as deusas encarregadas de castigar os crimes dos mortais, fazem sua justiça fundadas no desejo da vingança sem contextualizar as ações que levaram a tal ato, sem um "justo" julgamento. Quando alguém carrega uma
culpa imperdoável se pune com a sentença máxima, a morte, sem entender que esta aumenta o sofrimento do que aconteceu. Ou, como quero
retratar neste texto, impõe este sacrífico a um/a dos/as filhos/as que assume a culpa e a punição em seu lugar.
[ii]
Apolo fez chacota de Eros, dizendo-se
melhor com o arco. O filho de Afrodite, em represália, lançou uma flecha de
ouro despertando em seu inimigo uma paixão avassaladora pela ninfa Dafne. Ela,
por outro lado, foi atingida pela flecha da rejeição, fugindo desesperadamente
do Deus da Razão até se transformar em um loureiro. É este mesmo deus, Apolo, que inspira a defesa de Atená para libertar Orestes da condenação das Fúrias, quando o "leva para o pai".
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