Ananda Purnima ou Lua Cheia Bem-aventurada
Ananda:
bem-aventurança, Purnima: Lua Cheia
Ilustração de Dick Stenberg
para o Livro "Estar Só" de Leif Kristiansson
Eu vou partir
de um pressuposto para o que eu vou dizer sem a pretensão de prová-lo
cientificamente, mas em minha existência mesmo, quando resolvo deixar de ser um
avestruz e me deixo ser possuída: Em todo ser vivo, desde o unicelular e seus
movimentos em busca de alimento e fuga, está latente um mesmo
movimento, o de se completar a si mesmo na relação com o mundo. Ser possuído
por si num apropriar-se das infinitudes mínimas.
Quando a completude é conquistada, o divino se revela desde sempre, como na lenda dos dois pássaros. O primeiro comia os frutos de uma bela árvore embriagado com sua doçura. Num dado momento beliscou um deles cheio de fel. Ele parou, olhou para cima e viu um pássaro mergulhado em seu esplendor. Por algum tempo esqueceu sua má sorte e o contemplou..., mas havia outros frutos arredondados convidando-o para a sua rotina. Seus festejos e gracejos, no entanto, não o pouparam de timbres amargurados. Novamente, ele lembrou do amigo esplendoroso e se apaziguou. Durante anos foi assim, uma roda da fortuna desenfreada, até que um dia, depois de desfrutar da maior delícia seguida de muita dor, descobriu ser ele mesmo, o tempo todo, aquele pássaro embriagado de amor. Então, em todo ser
vivo há latente a divindade, não como uma fagulha, mas como o próprio vulcão.
Fundados nesta
hipótese, entre os yogues tântricos se diz que nos vegetais e animais este caminhar
para a expansão na “pedricidade” do mundo não é uma opção, mas algo que os leva
irreversivelmente a adquirir um corpo humano e, nisto, está implícito possuir um
psiquismo capaz de sustentar o percurso para a totalidade. Esta divindade
latente vai explodindo formas de ser até poder possuir o que antes a possuía. Mas
estar/ser um corpo/psiquismo humano cria um novo desafio, escolher ser humano.
Por isso, no humano esta potencialidade pode ser praticada conscientemente a
partir de uma escolha.
Ciência espiritual, eu definiria, como um sistema complexo de saberes sobre a espiritualidade - dimensão bem terrena e corpórea, diga-se de passagem, que não tem nada a ver com cisões criatura na terra X criador no céu.
E isto tudo é muito chato se não se faz da própria vida uma obra
de arte. Ao se propor fazer de si
mesmo uma poética da potencialidade divina latente - que está lá na base da
coluna “aspirante” ao topo da cabeça – o aspirante se estabelece como humano e pode
ser considerado tântrico, sem com isso vinculá-lo a esta escola. O tantra, neste caso, é compreendido como qualquer
caminho sustentado por uma ciência espiritual.
Ciência espiritual, eu definiria, como um sistema complexo de saberes sobre a espiritualidade - dimensão bem terrena e corpórea, diga-se de passagem, que não tem nada a ver com cisões criatura na terra X criador no céu.
A espiritualidade deixa de ser
um campo de saber das religiões e passa a ser uma dimensão da
multidimensionalidade humana capaz de ser desenvolvida como qualquer outra
potencialidade. E deixa de ser um caminho dos graves e empedernidos para virar(mos)
a melodia da Krishna´s Flute... ou baforadas criativas, como se os deuses fumassem cachimbos!
Se pensarmos
por aí, somos humanos/divinos desde o unicelular...
Ritual do Cachimbo Sagrado ligando o Céu e a Terra
Há centenas de
excelentes escolas sobre espiritualidade espalhadas pelo mundo, porque muitos
mestres percorreram este caminho e nos presentearam com sua sabedoria.
Hoje, na Lua
Cheia da bem-aventurança de 2013, comemora-se o nascimento de muitos destes sábios que esfumaçaram a si mesmos em nossos corações e ajudaram milhares de pessoas a escolher e fazer suas práticas
espirituais, não importa quais. Nelas não se faz pedidos, nelas não se substitui o pai terreno incompreendido e em seu lugar coloca o mestre espiritual ou deus no céu, nem se substitui a mãe difícil pela santificada
impossibilidade, ou a santa sofredora. Nem se busca alucinógenos para “fazer-se arte” que somos.
O
Pai nosso está na terra e o coração da Mãe bate com o do/a filho/a durante 9
meses de ventre depois que trouxe o pai para dentro dos dois por meio do gozo. Nem por isso os arquétipos celestiais perdem sua potência, porque abre-se espaço para que a espiritualidade aconteça de fato na carne e não como promotora
de exclusões, guerras e pedidos descabidos. A completude pode seguir seu itinerário
e com ela a felicidade se apresenta como algo disponível desde sempre...,
depois que se para de correr atrás dela e se quer falar com Deus com a alma e o corpo nus...
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